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Um conselheiro no ostracismo

Escrito por Ceape TCE/RS10 de Fev de 2014 às 15:40
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“Alguns amigos nossos dizem que eu e o Domingos éramos quase uma só pessoa. E, na média, a gente era muito educado, equilibrado e teríamos até topete.” Foi assim que, em 25 de setembro de 2009, o então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, definiu sua relação com Domingos Lamoglia, seu fiel assessor durante quase toda a carreira pública. Naquele momento, o político do DEM discursava em homenagem ao amigo, que tomava posse no cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do DF (TCDF).

Mais de quatro anos depois, Lamoglia desfruta como nenhum outro as benesses do posto para o qual foi indicado pelo próprio Arruda. Envolvido no escândalo da Caixa de Pandora (investigação conduzida pelo Ministério Público do DF e Territórios), ele teve o afastamento de suas funções decretado logo em dezembro de 2009. Na sua casa, os policiais encontraram dinheiro rastreado nas investigações e uma agenda com iniciais de políticos relacionadas a quantias especificadas. Desde então, mesmo sob suspeita, o conselheiro recebe o teto do funcionalismo do DF, fixado em 26 589,68 reais. Com o pagamento desse salário, já saíram dos cofres públicos, e consequentemente do bolso dos contribuintes, mais de 1,2 milhão de reais.

Na última terça (4), duas entidades sindicais lançaram uma campanha para sensibilizar as autoridades sobre o caso. À frente do movimento estão a Federação Nacional das Associações dos Tribunais de Contas (Fenastc) e o Sindical, organização que representa os servidores do TCDF e da Câmara Legislativa. Por meio de uma ação popular protocolada na 4ª Vara de Fazenda Pública, os sindicalistas pedem a destituição de Lamoglia do posto e a devolução da quantia referente à remuneração do período não trabalhado. “Ele não reúne pré-requisitos constitucionais como reputação ilibada e idoneidade moral para ocupar o cargo”, denuncia Amauri Perusso, da Fenastc.

Se os sindicalistas forem atendidos, Lamoglia terá muito a lamentar. Nas altas esferas do poder local, a função de conselheiro do TCDF é vista como uma espécie de sinecura dos tempos modernos. Além de estratégica para quem tem interesse em se manter influente, significa um fim de vida tranquilo — o emprego é vitalício.

A pressão pela perda dos rendimentos chegou em um momento de completa reclusão de Lamoglia. Desde o início da crise da Caixa de Pandora, ele radicalizou uma característica cultivada desde os tempos áureos no governo: a discrição. Nos últimos anos, o máximo de exposição do conselheiro afastado são caminhadas esporádicas nas imediações de sua casa, na quadra 7 do Park Way. “Lamoglia evita lugares públicos em horário comercial. Tem medo das críticas”, diz um amigo da época de governo.

Numa das poucas ocasiões em que foi visto circulando pela cidade, Lamoglia esteve no TCDF, quando sondou os conselheiros sobre a possibilidade de retomar as funções antes do julgamento administrativo que será feito pelos colegas. Isso lhe daria mais poderes e o tiraria da embaraçosa situação de ostracismo financiado. A relatora de seu processo, Anilcéia Machado, é uma velha conhecida dele. Os dois trabalharam juntos quando Arruda era senador e Lamoglia chefiava o gabinete parlamentar. A hoje conselheira também tinha um cargo em comissão nessa estrutura. Apesar dos apelos, Lamoglia foi mantido afastado. Enquanto percorria os gabinetes, ele foi flagrado por uma equipe de TV. Como lhe é de costume, abriu um sorriso, mas trancou as palavras.

Maciel entre Arruda e Lamoglia: assessores de confiança (Foto: Renato de Oliveira / BG Press)

A turma da Pandora

Por onde anda a tropa de choque do ex-governador

José Geraldo Maciel

Primo de Arruda, era chefe da Casa Civil. Foi pego em escutas telefônicas. Recentemente, voltou a estudar. Cursa direito no Unieuro

(Foto: Gustavo Vieira)

Omézio Pontes

Lidava com a imprensa. Aparece em um dos vídeos do escândalo. Atuou em campanhas políticas. Trabalha com o senador Gim Argello

(Foto: Lilian Tahan)

Weligton Moraes

Foi preso, acusado de tentar comprar uma testemunha. Cuidava da publicidade de Arruda e voltou a atuar na área para o governo do PT

Além do recato, o conselheiro exibe como características pessoais a boa educação e um certo equilíbrio emocional, particularidades exaltadas por Arruda. Esses atributos constrastam com a personalidade expansiva, afoita e um pouco arrogante do ex-governador. Diferentes na aparência e nos modos, os dois têm histórias pessoais tão próximas que justificam a imagem de que seriam a mesma pessoa, como foi dito no discurso.

Mineiro de Delfim Moreira, Lamoglia estudou engenharia na Universidade Federal de Itajubá, a mesma instituição onde Arruda se formou. Eles se conheceram lá nos anos 70 e estreitaram a amizade a partir de 1985, quando eram funcionários da Companhia Energética de Brasília (CEB). Nunca mais se separaram. Até integrar o quadro do TCDF, Lamoglia só trabalhou para o amigo.

Desde os tempos de Senado, na década de 90, a relação com Arruda deixou marcas na trajetória de Lamoglia. Foi nesse período que ele se separou de Telma, mãe de seus três filhos, para viver um romance com Vera Lúcia Espíndola, ex-secretária de Arruda. Em 2001, virou notícia pela primeira vez, no episódio de violação do painel do Senado. Ele se encarregou de levar o envelope com a lista de votos secretos para o então presidente da Casa, Antônio Carlos Magalhães. A quebra de segredo provocou a renúncia dos dois senadores. Filho de Francisco Sales Dias, juiz de direito em Minas, já falecido, Lamoglia não pôs na balança que, ao se enfronhar nos negócios de seu líder, estaria comprometendo a própria biografia. A denúncia contra ele será apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça e pode até levá-lo à prisão. No caso da ação administrativa, no TCDF, a punição máxima é a aposentadoria compulsória. Terá de ser decidido, apenas, se será proporcional aos dois meses e meio trabalhados ou integral, como o ócio nos dias de hoje.

 

Por Lilian Tahan Revista VEJA



   

 

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