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Tribunal de Contas ou de Auditoria?

Tribunal de Contas da União: The Brazilian Court of Audit

Escrito por Inaldo da Paixão Santos Araújo*06 de Fev de 2015 às 13:58
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Inaldo Araújo: "...não se pode esquecer que controlar também é auditar".
 
 

A palavra tribunal, segundo Dionísio da Silva, in “De onde vêm as palavras”, designava um estrado, que era separado por barras de madeira do local onde ficava o povo, no qual sentavam os tribunos (representantes das tribos da antiga Roma). Eles, de forma colegiada, decidiam os destinos da população.

Posteriormente, segundo o Google, que, para Zeca Baleiro, é o oráculo dos novos tempos, os tribunais também passaram a ser chamados de cortes, pois os juízes, quando se dirigiam aos estrados, eram acompanhados (cortejados mesmo) por um séquito.

Hodiernamente, o termo tribunal representa um grupo de magistrados que julgam coletivamente e com autonomia. No Brasil, pela influência francesa (como alguns afirmam), há os Tribunais de Justiça e os Tribunais de Contas.

Os Tribunais de Contas, tema deste artigo, como definido no Aurélio, são o “órgão independente dos três poderes constitucionais, com jurisdição própria, e privativa, incumbido de fiscalizar a execução do orçamento e julgar as contas dos responsáveis por dinheiros e outros bens públicos, e bem assim de apreciar a legalidade de certos atos”. Em resumo, é a Casa que zela pelo bom uso dos recursos do povo.

Embora idealizado desde 23/06/1826, quando foi apresentado projeto de lei ao Senado propondo sua criação, somente com o regime republicano é que surgiu o Tribunal de Contas da União (TCU). Esse avanço democrático deveu-se ao Decreto nº 966-A, de 07/11/1890, em face de atuação relevante do então ministro da Fazenda, o baiano Ruy Barbosa.

Concebido com base nos princípios da “autonomia, fiscalização, julgamento, vigilância e energia”, hoje o Tribunal de Contas da União (TCU) apresenta em seu referencial estratégico a missão de “controlar a Administração Pública para contribuir com seu aperfeiçoamento em benefício da sociedade”, lastreada nos seguintes valores: ética, justiça, efetividade, independência e profissionalismo.

Uma diferença marcante entre os Tribunais de Justiça e os de Contas reside no fato de o primeiro precisar ser acionado para julgar e agir, enquanto o segundo age (por meio de inspeções e auditorias) para poder acionar (com a devida comunicação ao Poder Legislativo e/ou ao Ministério Público) ou julgar.

No processo judicial, as provas são produzidas pelas partes litigantes ou por um perito especialmente designado. No processo administrativo de contas é o próprio Tribunal de Contas, sempre por meio de inspeções e auditorias, que coleta e produz as provas.

Em termos constitucionais, os Tribunais de Contas auxiliam o Parlamento no cumprimento da função de controle externo (ex vi caput art. 71). Para tal mister, a Carta Constitucional lhes atribui 11 competências específicas: emitir parecer prévio sobre as contas do chefe do Poder Executivo; julgar as contas dos demais administradores e responsáveis por recursos públicos; apreciar a legalidade de atos de pessoal (admissão, aposentadorias, reformas e pensões); realizar inspeções e auditorias; fiscalizar empresas supranacionais e a aplicação de recursos repassados voluntariamente; prestar informações ao Parlamento; aplicar sanções, assinar prazo para o exato cumprimento de lei; sustar a execução do ato impugnado; e representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

Nada obstante, não se pode dizer que essas atribuições podem ser exercidas isoladamente. Precisa ser dito justamente o contrário, pois elas são interdependentes, uma vez que, para se emitir parecer, julgar, fiscalizar, sancionar e informar, é preciso estar fundamentado. E esse subsídio deve ser obtido com o devido respaldo auditorial, em estreita observância a padrões normativos internacionalmente reconhecidos.

Aqui é necessário abrir um parêntese para se distinguir inspeção, de auditoria. Na forma demonstrada, elas representam atribuições constitucionais das Cortes de Contas. Entretanto, auditoria é o exame pautado em normas profissionais com o objetivo de se emitir um relatório contendo opiniões e comentários com base em evidências suficientes e adequadas. A inspeção – exame de registros, documentos e bens – é um dos procedimentos que o auditor utiliza para obter evidências suficientes e adequadas que suportarão o seu relatório. Os demais procedimentos usuais em auditoria são conferência de recálculo, reexecução, confirmação com terceiro, observação, indagação e revisão analítica.

No nosso entender, o termo inspeção foi inserido no texto constitucional em face de interpretação da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União – TCU (Decreto-Lei nº 199, de 25 de fevereiro de 1967), vigente quando da elaboração da Constituição de 1988, que, em seu art. 36, preconizava que, para o exercício da auditoria financeira e orçamentária, o Tribunal de Contas, entre outros procedimentos, deveria proceder às inspeções que considerasse necessárias.

Além disso, esse Decreto-Lei estabelecia que as inspeções seriam realizadas por funcionários dos órgãos de auditoria financeira e orçamentária do próprio TCU ou, “mediante contrato, por firmas especializadas ou por especialistas em auditoria financeira”.

Objetivando oferecer uma certa organicidade ao atual texto constitucional, o Regimento Interno do TCU, em seus arts. 239 e 240, estabelece que a auditoria é o instrumento de fiscalização utilizado para examinar a legalidade e a legitimidade dos atos de gestão, avaliar o desempenho, quanto aos aspectos de economicidade, eficiência e eficácia, e subsidiar a apreciação dos atos sujeitos a registro. Já a inspeção é o meio de fiscalização utilizado para suprir omissões e lacunas de informações, esclarecer dúvidas ou apurar denúncias ou representações. Nada obstante, pelas razões descritas, não corroboramos com tal distinção.

A atividade de auditoria é tão relevante para o TCU – fundamental até, poder-se-ia dizer –, que, no sítio oficial dessa Casa de Controle, em inglês, (http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/english), ela se autodenominou “The Brazilian Court of Audit”, ou, em tradução livre, “Corte de Auditoria do Brasil”. Atualmente, a designação apresentada é “The Federal Court of Accounts”.

Contudo, mais importante do que dizer que é, e que faz, é fazer e poder provar, com transparência, que faz. E, nessa trilha, muito bem caminha, a Casa de Controle, ou melhor, a Casa de Auditoria do Brasil.

Por outro lado, impende registrar que, indubitavelmente, o TCU é o órgão brasileiro de controle externo mais reconhecido, principalmente devido ao alto padrão técnico das auditorias realizadas. Razão pela qual é o TCU, desde 2005, que preside o Subcomitê de Auditoria Operacional da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai).

Consoante o sítio da Intosai, na rede mundial de computadores, esse subcomitê possui o objetivo de:
• publicar as orientações para implementação de auditoria operacional;
• desenvolver orientações e normas para a realização de auditoria operacional com base nas atuais diretrizes da Intosai;
• acompanhar o desenvolvimento de reformas no setor público e continuadamente avaliar as consequências para a auditoria operacional;
• acompanhar o desenvolvimento de teorias pertinentes, métodos, avaliações e continuadamente avaliar as consequências para a auditoria operacional.

Dúvidas, portanto, não podem existir de que a função primordial dos Tribunais de Contas é o controle , pois, conforme descrito no texto constitucional vigente, o controle externo da administração pública é exercida pelo Poder Legislativo com o auxílio desses Tribunais.

Dessa forma, não é à toa que a maioria dos planos estratégicos dos Tribunais de Contas apresentam, com aligeiradas modificações, a seguinte missão primordial: “Exercer o controle externo em benefício da sociedade, zelando pela regular gestão dos recursos públicos e contribuindo para a efetividade das políticas governamentais”.

Mas, se controle é função, esse ofício só pode se materializar, nos termos do art. 71, IV, da Constituição Federal, por meio de auditorias contábeis (abarcando os aspectos orçamentários, financeiros e patrimoniais) e operacionais (envolvendo os aspectos de economicidade, eficiência e eficácia). Aqui apresenta-se uma classificação ligeiramente adaptada apenas por conveniência prática e didática.

Além disso, se a função dos Tribunais de Contas é controlar, não se pode esquecer que controlar também é auditar.

Isso posto, é comezinho concluir que a potestade dos Tribunais de Contas, ou “Cortes de Auditoria”, como se autorreconheceu o próprio TCU, de julgar contas ou emitir parecer prévio, dentre outras que dão materialidade à função de controle, somente pode ser concretizada, se estiver pautada em trabalhos auditoriais elaborados em cumprimento aos padrões normativos mais modernos. Negar essa assertiva é desconhecer por completo o espírito do sistema de controle implantado no Brasil, que, contudo, como afirmo, ainda carece de aprimoramentos.

(*) Mestre em Contabilidade. Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Professor. Escritor.

   

 

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