Destaque na Mídia

Taison reforça luta contra o racismo:

Leia a primeira de uma série de reportagens de GZH

Escrito por RAFAEL DIVERIO para GZH17 de Nov de 2021 às 11:06
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Taison é referência no futebol e também na luta antirracista / Ricardo Duarte - Inter, Divulgação.
 
 

Taison Barcellos Freda, 33 anos, cria do bairro Navegantes, uma das comunidades com maior índice de vulnerabilidade de Pelotas, é o primeiro entrevistado da série Nossa Voz. O capitão do Inter viveu uma cena marcante em 2019, quando ouviu manifestações racistas da torcida do Dínamo de Kiev e chutou a bola na direção deles. Acabou até suspenso. Desde então, virou um líder na luta antirracista. Comemora seus gols com o braço para cima, punho cerrado. É referência no tema no futebol.

Na última semana, após um treino, ele atendeu a reportagem do Grupo RBS para falar do assunto. Em meia hora de conversa, relembrou o episódio na Ucrânia, deu conselhos aos jovens e ensinou caminhos para ajudar a causa.


O que é racismo para você?

Sofri na Ucrânia, mas pensei que nunca iria sofrer. Quando era muito pequeno, não entendia muito bem o que era isso e deixava passar. É uma coisa que sempre me magoou e me magoa até hoje. Então fico muito feliz por estar à frente disso para muitas pessoas. Muitas pessoas passam por isso e escondem o racismo. Quero ser alguém para se inspirarem. Estou brigando por uma causa muito difícil, que as pessoas passam no seu dia a dia, na hora de ir trabalhar, de entrar em uma loja, e o segurança te seguir até o final.

Qual o pior episódio que viveu?

Foi num clássico, Shakhtar x Dínamo. A gente estava jogando na nossa casa, e no primeiro tempo eles já tinham feito isso, mas eu estava muito focado na partida e não escutava muito. Aí no segundo tempo, sim. A gente atacou onde estava a torcida deles. Escutei eles imitando som de macaco, e a minha reação foi pegar a bola e chutar. Me machucou muito no dia, passei muito tempo pensando no que tinha de fazer depois. Minha mãe, meu pai, minha família, todos me ligaram e me mandaram voltar. Muitas pessoas me ajudaram, mas por dentro me sentia muito triste. Isso foi em um país que vivi 12 anos e que pensei que nunca ia passar. Já vi companheiros passando e deixando, e pensei: “Comigo não vai acontecer”, mas aconteceu. Hoje vejo que no dia a dia acontece com as pessoas, e isso me magoa.

O racismo é pior no Brasil ou na Ucrânia?

É parecido. Vivi em um país que tem muito preconceito. A Ucrânia é difícil. Cheguei em 2010 e joguei com um companheiro do Senegal que passava por isso no dia a dia, quando ia ao mercado, quando levava o filho na escola… e, no Brasil, minha mãe passou por isso quando a gente se mudou, saiu do meu bairro e foi para outro em Pelotas, em que vivem mais pessoas do alto escalão. Minha mãe estava varrendo, limpando a frente da casa, passaram vizinhos e perguntaram se era a nova empregada da casa. Isso me deixa triste, porque não é só minha mãe que passa, muitas pessoas passam isso. Entramos em algum lugar e os seguranças nos seguem. Se depender de mim, vou lutar sempre. Muitas pessoas deixam de falar, ou têm medo de passar por mentirosas. Porque isso acontece diariamente, todo dia tem algo, e não podemos nos calar.


Quando marca gol, você faz um gesto da luta antirracista. Quando isso começou?

Depois que sofri o ato na Ucrânia. Comemorei o gol daquela maneira e vou continuar comemorando assim. É um momento meu que pode inspirar outros. Recebo mensagens de pessoas que jogam futebol, mesmo de várzea, que comemoram gol como eu. Esses dias estava conversando com um amigo: “Taison, não jogo com muitas pessoas que nem tu, só que comemoro e me sinto honrado, que nem tu, por estar lutando por nós”. Penso que quando um de nós vence, eu estou vencendo junto, entendeu? A gente tem de lutar muito, matar um leão por dia, não pode desistir no primeiro ato que sofre. Nunca pode desistir. Vamos nos sentir humilhados e nos esconder? Torço muito para que isso acabe. Sei que não vai acabar, porque é muito difícil, mas espero que possamos nos unir para sermos muito mais fortes e enfrentar isso.

O que pode ser feito para melhorar a situação?

Precisamos nos unir mais, não só nesta causa, mas em outras causas também. Quando as pessoas nos assistem, querem ser um de nós, e nos escondemos muito. Não é para ser assim. Minha palavra pode ajudar muitas pessoas.

Que tipo de punição seria justa para um caso de racismo?

O Fred passou por isso na Inglaterra, em um jogo, e o torcedor não entrou mais no estádio, está proibido. Aqui no Brasil tinha de ser assim também. Na Série B, teve o caso com o Celsinho, o Brusque perdeu pontos. Gostei muito que fizeram isso. Esses torcedores não podem mais entrar no estádio. A punição certa é pegar o torcedor. Por mim, levaria preso, porque está fazendo o mal para uma pessoa. Se não pode ser isso, tem de ser banido do estádio. A punição desse torcedor na Inglaterra tem de ser exemplo pra nós, aqui no Brasil.

Que tipo de lições passa para sua filha sobre esse tema?

Deixo ela bem informada de tudo que pode acontecer na vida dela. Graças a Deus, hoje posso dar uma vida melhor a ela, a vida que não tive, as coisas que não tive na minha infância, mas quero que ela conquiste as coisas pela luta dela. Aviso que vão brincar com o cabelo dela, com a cor da pele. Deixo bem antenada para que, se isso acontecer, pode me ligar, conversar comigo, porque sei como é isso. Sei que as pessoas falam: “Ah, que lindo que está teu cabelo hoje”, “Como vai conseguir um emprego com um corte de cabelo desse?”. Para mim, não tem negro, não tem branco, todo mundo é um só. Mas a pessoa negra sofre pra caramba. Não é só a pessoa que sai para trabalhar de manhã cedo: pode ser uma que está no colégio, senta em um lugar e vê que o cara do lado levanta e sai andando, entendeu?

Como vê a atuação dos governos nessa luta?

Não sou muito de falar de política. Mas acho que eles ficam distantes, se é que tu me entendes. Que eles poderiam estar mais presentes no dia a dia das pessoas.


Estão longe do povo?

Quando eu era jovem, ouvia muitos candidatos: “Vou fazer isso, vou fazer aquilo”, e na hora que a pessoa era eleita, sumia. Eles precisam estar mais presentes no dia a dia das pessoas, das comunidades. Converso com o Tinga, que faz coisas dentro do seu bairro, fui lá conhecer e me arrepiei quando saí de lá. Porque a minha mãe faz isso em Pelotas, a gente faz muito, mas não chega ao que o Tinga faz na comunidade. Falei para ele: “Obrigado por ser minha inspiração todos os dias”. Esses políticos que falamos poderiam ajudar e fazer junto com ele. Se a gente briga por aqui, eles poderiam brigar lá do outro lado.

O que diria para os meninos negros que se inspiram em você?

Só peço que eles não se calem. Mostrem que são capazes. Somos capazes de fazer. Mas precisamos ser 10 vezes melhores, como diz Mano Brown. Meu recado é que não desistam. Que não vai ser uma vez, nem duas vezes, a gente vai ter de lutar por isso muitas vezes.

   

 

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