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Os trágicos efeitos da Lei Kandir

Artigo de João Pedro Casarotto

Escrito por João Pedro Casarotto30 de Jun de 2017 às 12:20
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Para Casarotto é urgente o ressarcimento das perdas com a desoneração. Foto: Marcelo Ribeiro/JC.
 
 

À medida que o tempo passa, se acentuam as tragédias econômica e ambiental decorrentes da desoneração - originada na chamada lei Kandir - das exportações dos produtos primários e semielaborados.
Ao postergar indefinidamente a regulamentação da indenização prevista na constituição federal pelas perdas dos estados com esta desoneração tributária, o governo central admite que elas são vultosas e permanentes e, por isto, se impõe o urgente ressarcimento.
Uma das principais âncoras do plano real, o câmbio fixo (paridade real x dólar) debilitou as reservas nacionais compelindo os estados a aceitarem este sacrifício tributário, pois era preciso a participação de todos no esforço para consolidar o plano real e para obter moeda forte visando reduzir a vulnerabilidade externa do país.
Contudo, já no início do ano de 1999 esta política cambial foi profundamente alterada o que provocou uma maxidesvalorização cambial – novamente ocorrida em 2002 -, mas, mesmo assim, esta desoneração foi mantida.
Com a nova política cambial e com o grande acúmulo das reservas provenientes da exportação de commodities, o objetivo principal da desoneração se esgotou, mas, em vez de serem revogados, os dispositivos da lei foram constitucionalizados.
Para continuar tentando sustentar esta política tributária, o governo central continua espalhando sofismas como o de que não se exporta imposto.
Ora, a ideia de tributar a exportação dos primários e semielaborados tem a intenção de retê-los no território nacional para que ocorra a instalação de uma cadeia produtiva a fim de que se exporte – aí sim ao correto abrigo do benefício tributário - produtos elaborados com maior valor agregado evitando a transferência de empregos e renda para outros países.
O exemplo da soja no RS é emblemático, pois o parque fabril de esmagamento foi praticamente aniquilado com o incentivo para a exportação do grão.
No caso da mineração a situação é ainda mais grave, pois, como o recurso não é renovável, o permanente incentivo à exportação vem em prejuízo tanto da atual quanto das futuras gerações e em benefício de algumas poucas mineradoras.
Por serem minimamente tributadas, as mineradoras absorvem a grande parte da renda mineral, que deveria ser repartida com a nação brasileira que é a proprietária destes finitos recursos.
Em todos os casos, o produtor tende a acompanhar a lógica financeira imediatista de não se submeter aos custos da industrialização já que ele pode obter renda apenas plantando ou abrindo buracos.
Esta política deteriora os meios de troca, pois provoca atraso e dependência em relação às nações mais desenvolvidas em função do valor agregado na exportação dos produtos por elas elaborados.
Outro sofisma divulgado diz que o custo do ICMS é um fator de perda de competitividade do preço dos produtos primários e semielaborados.
Ora, sabemos que o preço internacional destes produtos é regulado pelo mercado e não pelo seu custo, como, aliás, recentemente foi verificado com a exportação de minério de ferro para a China.
É bom repetir que a oneração faz parte da lógica do sistema, pois a tributação destes produtos visa não a simples arrecadação tributária, mas a retenção dos produtos no local da produção para submetê-los ao processo de industrialização gerando, com isto, emprego e renda no País.
Também é bradado o sofisma de que estas exportações trouxeram ganhos para arrecadação dos estados.
Na verdade, a expansão da arrecadação verificada pós 1999/2000 decorreu do aumento das alíquotas em diversas unidades da federação bem como do aumento dos preços e da demanda das chamadas operações "blue-chips", notadamente combustíveis, comunicação e energia elétrica.
Além disto, o aumento do ICMS está associado em grande parte 1) a ampliação da prática da substituição tributária;  2) a implantação da nota fiscal eletrônica; e 3) ao avanço tecnológico e de gestão da administração tributária dos estados.
A lei Kandir, além de afetar sensivelmente a relação federativa, modificou o modelo de desenvolvimento originalmente previsto na Constituição Federal que é o da substituição de importações e o da oneração dos produtos estrangeiros, beneficiando, assim, os produzidos internamente e incentivando a exportação de produtos elaborados, que geram renda, emprego, desenvolvimento tecnológico e maiores volumes de divisas para o nosso país.
Com a decisão de concentrar cada vez mais poderes via debilitação dos demais entes federativos, o governo central vai formando uma estrutura burocrática cada vez maior que, por sua vez, procura apaixonadamente consolidar e ampliar suas competências a ponto de, na prática, tentarem transformar os governadores em meros gerentes de província.
Portanto, urge a revogação imediata destes dispositivos constitucionais que, tragicamente, estão destruindo o modelo de desenvolvimento estabelecido pelos constituintes de 1988.
A propósito, o desastre ambiental de Minas Gerais que transformou o rio Doce em um rio de lama e contaminou as águas subterrâneas da região com altos níveis de metais pesados tem nome: Mariana; e sobrenome: lei Kandir.
Lei Kandir: revogar e ressarcir!


*Auditor-Fiscal do RS, aposentado e membro da FEBRAFITE.

   

 

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