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ONG diz que novo indexador prejudica Estado

Escrito por Ceape TCE/RS05 de Mar de 2014 às 17:57
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Enquanto o governo estadual tenta furar o bloqueio da União para votar o novo indexador da dívida estadual, o movimento chamado Auditoria Cidadã da Dívida aponta que a mudança embutida no Projeto de Lei 99/2013 que tramita no Senado, já aprovado na Câmara dos Deputados, é a “pior dos mundos” para os gaúchos. Ex-auditora da Receita Federal, a coordenadora do movimento, Maria Lucia Fattorelli, adverte que não adianta trocar o fator de correção sem rediscutir a composição do passivo, que ultrapassa R$ 45 bilhões. Maria Lucia aponta que o problema está na origem, no que formou o passivo, herança de renegociação nos anos de 1990, que combinou débitos do Estado e passivos de bancos públicos, no caso o Banrisul. O movimento, que nasceu após a CPI da Dívida Pública, com relatório emitido em 2010, defende que a revisão do extrato dos passivos reduziria em muito a conta paga pela sociedade, por meio da União. Maria Lucia lembra que a auditoria da dívida pública está prevista na Constituição Federal e já teve apoio de mais de 7 milhões de pessoas em um plebiscito eletrônico.

Jornal do Comércio – Qual o objetivo do movimento e quais resultados foram obtidos até agora?

Maria Lucia Fattorelli - O problema da dívida pública interna e externa, de estados e municípios, agrava-se aceleradamente. O que aparece mais são os passivos regionais. Mas a dívida interna da União soma quase R$ 3 trilhões e a externa total (pública e privada) é de US$ 450 bilhões. O que o Lula pagou em seu governo foi o débito de US$ 15,5 bilhões com o FMI, e não com títulos, que soma mais de US$ 100 bilhões, além de passivos com Banco Mundial e outros organismos. Trabalhamos com o conceito de total porque, mesmo os títulos de dívida privada, o governo tem de correr atrás para saldar. E isso já ocorreu. O número é relevante, e, na década de 1980, a maior parte do que foi federalizado era privado. Pedimos informações e documentos ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda durante a CPI, mas isso foi negado. Os órgãos alegaram que os arquivos foram perdidos ou que são documentos muito antigos, o que só fortalece o debate para dar mais transparência às informações.

JC - A dificuldade em conseguir a informação é em todos os governos?

Maria Lucia - Inclusive no governo Lula, pois a CPI é de 2009 e 2010. Como se explica isso? Depois de tantos anos investigando esse passivo, na América Latina e na Europa, determinamos que existe um sistema da dívida. Há muitas décadas, a dívida pública deixou de ser o que aprendemos nos livros de economia, que é instrumento de financiamento do Estado. Descobrimos que a dívida pública é gerada em processos de estatização de débitos privados e pela transferência de passivos de bancos públicos para a União, como no Proer e Proes. No Rio Grande do Sul, o Banrisul não foi privatizado, mas grande parte do passivo do banco foi transformada em dívida estadual. A pergunta é: que passivo era esse? Tudo, menos dívida pública. O correto teria sido fazer um empréstimo ao Banrisul, o banco teria de devolver sem o Estado assumir como dívida de todos os cidadãos.

JC – Por que a dívida continua crescendo?

Maria Lucia - O principal é decorrente das condições onerosas. Muita dívida foi gerada na década de 1970, nas três esferas e em plena ditadura, sem transparência. Não tínhamos nenhuma noção de quem emprestou os recursos e onde foram aplicados. Na CPI, solicitamos os contratos que comprovam o estrondoso crescimento, passou de US$ 5 bilhões para US$ 60 bilhões entre 1970 e 1980. Contratos de grandes obras do chamado milagre brasileiro justificam apenas 20% do estoque, sendo que os 80% restantes são de dívida com bancos privados internacionais, que controlavam o FED (banco central americano), que é privado.

JC - E qual foi o destino desses recursos?

Maria Lucia - Foi para cobrir taxas de juros, aparentemente baixas, para bancos e multinacionais que operavam aqui. Buscavam recursos mais baratos fora e repassam com maior custo internamente. Quando, em 1979, começam a ser elevadas taxas de 20% ao ano, estoura a crise interna. O FMI entrou e exigiu que a dívida de 1970 fosse transformada em passivo do BC. Tivemos acesso aos esses acordos, que eram secretos. Tudo virou dívida pública, mas nunca recebemos este dinheiro.

JC – A dívida gera riscos?

Maria Lucia – O risco está na chama da dívida interna bruta, de quase R$ 3 trilhões e que não está nas mãos do BC, mas no mercado. Quem compra é um grupo de 12 bancos, sendo parte de instituições internacionais. Solicitamos ao BC informações, mas   o banco alega sigilo.

JC – Mudar o indexador é solução para o pagamento das dívidas de estados e municípios?

Maria Lucia – A proposta de trocar o indexador da dívida não é boa, apesar de reconhecermos que deve haver a mudança da correção. A União colocou a atualização monetária automática, mensal e cumulativa. O primeiro absurdo é a correção automática, quando a indexação havia sido abolida pelo Plano Real, e ainda com índice privado (IGP-DI), que mede expectativa, não inflação. Segundo, enquanto o Bndes adota taxas baixas e TJLP, a União cobra alto custo. O PL muda o indexador, mas não prevê retroagir ao início do contrato, para recálculo do débito, o que  é necessário.

JC – O que a auditoria cidadã propõe como saída?

Maria Lucia – Uma auditoria completa da dívida, que implica voltar à origem do que foi refinanciado, para saber o que compunha a dívida. No Proes, programa que salvou bancos estaduais (privatizados ou não), grande parte do passivo virou dívida de estados. Temos de rever e separar o que é dívida do que não é. E, do que for realmente dívida, avaliar qual é o índice, que não pode ser lesivo, pois o dinheiro para pagar o passivo sai do bolso do cidadão. E o que é cobrado deve ser usado para quitar a dívida da União. Achamos que o passivo do Rio Grande do Sul já foi pago várias vezes.

JC – O governador Tarso Genro fala que a mudança do indexador estancará o estoque. Serve de consolo?

Maria Lucia – Isso não é verdade, fizemos uma simulação, que entregamos aos senadores e está em nosso site. O cálculo da dívida gaúcha é o mais grave no País. O Estado paga a dívida em 2027 e não terá terminado de saldar o resíduo, além de continuar com o mesmo limite de pagamento de 13% da receita líquida real. Com isso, o Rio Grande do Sul terá dívida a pagar até o ano de 2075.

JC – Mas o Estado assegura que é a solução?

Maria Lucia - Quero ver a conta deles para saber como chegaram nela. Fizemos o cálculo usando o novo indexador. Consideramos o ambiente mais favorável e conservador. Ou a nossa conta está muito errada ou a deles. Na nossa, o Estado está na pior situação. Pedimos informações sobre as dívidas à Secretaria Estadual da Fazenda. Faremos uma série de ações para nivelar estudos internos e depois analisaremos as respostas e promoveremos ações locais de mobilização sobre o tema, como em escolas.

JC – Quanto se poderia reduzir a despesa com revisão da composição do passivo?

Maria Lucia – Seria brutal. No caso da dívida externa, há muito indício de fraude. Na dívida interna, relatório enviado ao Ministério Público, que abriu processo administrativo e aborda a contabilização errada de parcela de juros como se fosse amortização. A União usa este artifício, emitir título para pagar juros, o que eleva a dívida, pois paga dívida com nova dívida.

JC – Como obter apoio da população neste tema?

Maria Lucia – Ainda não se consegue romper o bloqueio, pois uma ONG está lutando, mas de outro lado tem estrutura política e financeira que banca este modelo. É uma luta desigual. Mas a conscientização é evidente. A cada evento, o movimento cresce, hoje temos seis núcleos no País. A discussão das dívidas dos estados foi inserida pela CPI da dívida. Mesmo se acabasse toda a dívida, outra seria criada no dia seguinte. É preciso ter consciência da dívida.


Fonte: Jornal do Comércio

   

 

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