Artigos

O tango da tragédia

Leia artigo de João Neutzling Jr.

Escrito por João Neutzling Jr.*08 de Dez de 2023 às 10:35
Artigos
Na campanha, Milei disse que vai dolarizar a Argentina e extinguir o banco central do país.
 
 

“Nada está tão ruim que não possa piorar” (Terceira lei de Murphy)

Javier Milei (do partido La Libertad Avanza) venceu o segundo turno da eleição argentina em 19/novembro com 56% dos votos derrotando o candidato da situação Sergio Massa. Milei recebeu apoio de Patricia Bullrich (aliança liberal Juntos por el Cambio) e de Maurício Macri (Proposta Republicana). Um triunvirato altamente conservador de extrema direita.

Nossa querida irmã e vizinha Argentina vive em crise econômica desde o desgoverno Carlos Menen (1989-1999).

O país tem inflação de 138% aa nos últimos doze meses. As reservas cambias brutas são de US$ 25 bilhões, mas as reservas líquidas são negativas em US$ 10 bilhões, ou seja, o país não tem dinheiro para pagar importações. Para efeito de comparação o Brasil tem US$ 340 bilhões de reservas. O índice de pobreza chega a 40,9% em um país outrora orgulhoso de sua riqueza, opulência e boa qualidade de vida.
Na sua campanha eleitoral, Milei disse publicamente que vai dolarizar a Argentina, extinguir o banco central do país, entre outras insanidades.

A dolarização da economia, grosso modo, é a substituição da moeda nacional (de emissão do BC) pelo dólar americano. Mutatis mutandis, os preços de todos os produtos/serviços e salários passam a ser cotados em dólar.

Como consequência, o país perde a capacidade de influenciar sua própria política monetária, ou seja, ele perde autonomia financeira. Isso decorre da dependência a qual esse país se sujeita em relação a política econômica americana, no caso de substituir pela moeda americana. Deste modo, as autoridades monetárias não podem atuar como emprestador de última instância aos bancos comerciais, em uma economia com substituição total da moeda.

Ou seja, se houver uma crise de insolvência no setor bancário o BC argentino fica de mãos atadas não podendo socorrer ninguém. A menos que tenha uma linha de hot-money diretamente com o Federal Reserve System (FED), o banco central dos EUA.

Em outras palavras, a Argentina perde totalmente sua autonomia e soberania passando a ser um satélite de Washington. Se o FED manipular a taxa de juros prime-rate por interesses próprios a Argentina fica fragilizada.

De onde viriam os dólares para circular no país? Somente da exportação?

Entre os países que usam o dólar americano como moeda de uso corrente estão Panamá, Costa Rica, Zimbabwe, Micronésia, etc, ou seja, todos países pequenos com grande abertura comercial e financeira e inexpressivos do ponto de vista econômico.

Outrossim, Milei disse que iria extinguir o Banco Central. Mas como extinguir a autoridade monetária que é responsável pela gestão do meio circulante, política monetária e política cambial regulando a formação da taxa de câmbio e o fluxo cambial externo (exportação e importação)? Quem vai ocupar este espaço?

O economista Pierra Salama dizia em seu livro Dolarização (editora Nobel, 1989) que:

“Com a dolarização, as possibilidades de aplicação de uma política econômica autônoma, em favor dos interesses econômicos da nação, tornam-se cada vez mais reduzidas”(p.113).

E o autor ainda acrescenta: “Talvez o principal problema do subdesenvolvimento seja a subordinação cultural e política de suas elites dirigentes”(p.116).

Novamente, nossa vizinha dança o tango da tragédia.


*Economista, Bacharel em Direito, Mestre em Educação, Doutorando em Sociologia, Auditor estadual, Professor e pesquisador.

jntzjr@gmail.com

   

 

Mais Noticias

Utilizamos cookies para oferecer melhor experiência, melhorar o desempenho, analisar como você interage em nosso site e personalizar conteúdo.

Política de Privacidade