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O Sistema da Dívida: sangria permanente de recursos públicos

Jornal da Sedufsm relata palestra de Josué Martins sobre a Dívida Pública

Escrito por Seção Sindical dos Docentes da UFSM / ANDES06 de Jan de 2016 às 09:47
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Palestra em Santa Maria discutiu dívida gaúcha e sua relação com a crise.
 
 

A mais recente edição do JORNAL DA SEDUFSM traz entrevista com Josué Martins, presidente do CEAPE-Sindicato sobre a Dívida Pública.  

Confira abaixo a entrevista:

O Sistema da Dívida: sangria permanente de recursos públicos

A existência de uma corrosiva engenharia financeira, criada sob a justificativa da solidariedade e da ajuda entre entes federativos e União, mas calcada, na prática, em uma brutal lógica de mercado, é o que a Auditoria Cidadã da Dívida tem chamado de “Sistema da Dívida”. E descortinar esse debate, de impacto direto na vida de cada pessoa, sem exceção, tem sido um dos eixos da Auditoria Cidadã, que já colaborou com a investigação da dívida do Equador (o que culminou num processo de balanço e correção da dívida) e da Grécia. Para Josué Martins, que é auditor do Tribunal de Contas do Estado do RS (TCE), integrante do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida e Presidente do Centro de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado do RS (Ceape), é exatamente disso que se trata: uma tarefa. “Ah, mas é fácil fazer (uma auditoria da dívida). Não, não é. É preciso que tenha determinação política e empoderamento social. A Auditoria Cidadã trabalha justamente para buscar o empoderamento social. Vai nos espaços, ocupa, tenta mostrar o que está acontecendo e tenta ganhar a cidadania para esse tipo de assunto, que no nosso entender está no centro dos grandes problemas mundiais hoje”, destaca o auditor.E foi isso que Josué veio fazer em Santa Maria, no dia 6 de novembro, na palestra “Dívida Pública e a necessidade de uma auditoria”, promovida pela Sedufsm e realizada na Câmara Municipal de Vereadores.

Crise no RS

Como ponto de partida, o evento tinha a crise financeira pela qual passa o estado do Rio Grande do Sul, e que tem resultado em sérias políticas de austeridade para a classe trabalhadora, em especial para o funcionalismo público – que teve inclusive salários parcelados. Mas para isso, segundo Josué, é fundamental entender alguns dos motivos que levam ao rombo dos cofres públicos do estado. Entre eles, com papel de destaque, está a dívida com a União. O que ocorre é que nos anos 90, marcados pela instabilidade econômica, juros e inflação “incontroláveis”, o Governo Federal se propôs a ajudar os estados –superendividados na época – federalizando suas dívidas. Por trás da oferta, contudo, não estava exatamente uma opção (embora muitos estados tenham aceito de bom grado). Conforme lembra Josué,uma vez que a União proibiu os estados de lançarem títulos no mercado, não restaram muitas opções para arrecadar dinheiro e pagar a dívida. “Ao proibir, ela nos embretou e nos ofereceu em troca o seguinte: 'ó, toma aqui esse contrato'”. No caso do Rio Grande do Sul, o contrato é de 1998 e, nas palavras de Josué, tem em regra um funcionamento bastante simples: “a gente paga nossa dívida para a União e a União paga as nossas dívidas com o mercado”. Contudo, por trás dessa simplicidade, estava uma evoluída arquitetura financeira, muito bem elaborada para operar exatamente como opera até os dias de hoje e não demoramos muito para perceber isso.

Lógica de mercado

Mal havia passado um ano da assinatura do acordo e em 1999 o Tribunal de Contas do Estado realizou uma auditoria do contrato com a União. E o resultado nem de longe era dos melhores. “Em 1999 o TCE fez uma auditoria e já lá dizia: 'olha, entramos numa fria, não fizemos um bom negócio'. Por quê? Porque os encargos assumidos no contrato (com a União) eram mais altos do que a média dos encargos que a gente vinha tendo com a nossa dívida com o mercado”, explica Josué.

Esse funcionamento, inclusive, segue até hoje,conforme evidencia o relatório anual da Dívida Pública feito pela Secretaria da Fazenda do Estado do RS. No parecer consta, por exemplo, que entre 1991 e 1997(antes da assinatura do contrato com a União) o estado gastava 8% de sua Receita Líquida Real (RLR) com o pagamento da dívida, enquanto entre 1998 e 2014 (pós assinatura do contrato) esse valor está quase em 16%.Para o integrante do núcleo gaúcho da Auditoria Cidadã,é justamente no fato de essa relação ser regida plenamente e desde o começo por uma lógica de mercado – e não por um princípio de solidariedade entre os entes federativos, como diz a Constituição – que mora o principal problema do Sistema da Dívida dos estados com a União. “É uma arquitetura financeira de banco mesmo. De mercado financeiro. Não tem nada de parceria nessa história”, ressalta Josué Martins. E para quem acredita que se trata de um exagero, Josué ainda apresenta a “cereja do bolo”.

Lucro

Para coroar a situação, segundo dados oficiais publicados nos Relatórios de Gestão Anuais da Secretaria do Tesouro Nacional e apresentados ao Tribunal de Contas da União, há, inacreditavelmente,uma crescente margem de lucro da União sobre o valor arrecadado junto aos estados para o pagamento de suas dívidas. Por exemplo, segundo os Relatórios, no ano de2013 a soma das dívidas dos estados, assumidas pela União, apontavam para um montante de R$ 81,7 milhões, enquanto o total arrecadado pela União, junto aos estados para o pagamento dessa dívida, somava R,5 bilhões. Ou seja, a União, em 2013, recebeu34,862% a mais do que precisaria para pagar a dívida.Segundo Josué, esse tipo de situação é possível por conta de algumas escolhas feitas no contrato assinado lá em 1998, e que são incompatíveis com os fundamentos da solidariedade enquanto caem como uma luva na lógica de mercado. Por exemplo, explica o auditor, o fato de que a base do cálculo da dívida tenha como indexador, por exigência do contrato com a União, o IGP-DI (acrescido de mais 6% ao ano). Na opinião de Josué e a Auditoria Cidadã, esse é um indexador completamente inadequado para uma situação onde o horizonte é de resgate dos estados endividados. E a soma de todos esses fatores, segundo o auditor,alimentam um sistema engenhoso e propositalmente criado para manter o fluxo de recursos públicos para a União e, por conseguinte, para os banqueiros, e que nãopermite, jamais, o pagamento pleno das dívidas. “A Dívida, por mais que seja paga, nunca é saldada, porque não se pode matar a galinha dos ovos de ouro”, aponta Josué Martins. E, infelizmente, a fala do integrante da Auditoria Cidadã não se trata de nenhum absurdo. A evidência disso está, por exemplo, numa série de cálculos feitos pela própria Auditoria Cidadã, e que comprovam em números uma dívida já quitada, mas ainda corrente.Segundo valores atualizados, a dívida em 1998, ano de assinatura do contrato, somaria o valor de R$ 50,2bilhões. Já em 2014, segundo apontam os cálculos da Auditoria Cidadã, o valor devido pelo estado é de R$ 54,8bilhões. Ou seja, 16 anos após a assinatura do contrato,90,4% da dívida já teria sido paga, enquanto ainda se deve 109,1% do valor. “É uma sangria permanente de recursos”, complementa Josué.

A opção da Auditoria da Dívida

Para além da árdua tarefa de revelar esse debate, tão nebuloso e recheado de especificidades técnicas para o conjunto da sociedade, a Auditoria Cidadã da Dívida Pública também traz propostas diretas para a solução do problema. Antes de qualquer coisa, por exemplo, a organização defende a necessidade de se rever esse contratoe expurgar o lucro da União. “O que a gente tem defendido? Tem que tirar os juros da relação. Não é justificável, sob qualquer prisma, juros nessa relação”, declara Josué Martins. Além disso, a substituição do IGP-DI por outro indexador, no caso o IPCA (menos vulnerável às variações cambiais e o índice oficial da inflação) é fundamental. Por fim, uma auditoria plena da dívida dos estados com a União e também da dívida pública brasileira como um todo. E isso tudo só será possível com a conquista da cidadania para o debate da Dívida Pública.

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Confira no site da SEDUFSM a íntegra da palestra “Dívida Pública e a necessidade de uma auditoria”.
 

   

 

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