
Em recente entrevista para Glenn Diesen, Chas Freeman, diplomata americano, apresentou alguns dados sobre as mudanças ocorridas naquele País. Disse Freeman que em 1900, 80% da população do EUA estava no meio rural produzindo comida. Atualmente, com 1% da população no campo, é o maior produtor do mundo. A indústria representava 15% dos trabalhadores (cresceu muito durante o século 20, desmoronando com a desindustrialização) e, atualmente representa 8% da força de trabalho do País.
O setor de serviços (termo criado pelos economistas na década de 1930 – juntamente com a ideia de PIB – ambos conceitos precisam ser revistos) era 5% em 1900 e agora ocupa 91% dos trabalhadores.
Importante adicionar que no pós-segunda guerra a indústria do EUA era a mais produtiva, dinâmica (e empregadora) do planeta.
Estas mudanças profundas exigem uma restruturação do Estado. Parece lógico. Não?
Foi para essa mudança que Trump nomeou Elon Musk como funcionário especial do Governo, com o título de Diretor do Departamento de Eficiência Governamental, para num período de 160 dias? Para alterar a estrutura de Estado? E para garantir o papel do Estado num processo de reindustrialização (embora o EUA mantenha o controle da indústria bélica _ também chamada de defesa - e parte do setor de alta tecnologia dentro do País)?
Musk, como Trump, acreditam que é possível trocar dados da realidade por narrativas (a extrema direita brasileira, também). Assim, Musk, com apoio de Trump, tentou convencer o povo americano que 2,5 milhões de trabalhadores federais, mesmo número de 1960 (tendo o EUA, então, 100 milhões de cidadãos a menos) é um excesso de servidores.
E, ato seguinte, começou o desmonte do serviço público federal. Especialmente suas agências (e o setor de saúde e educação, é claro). Importante: no EUA, em atenção ao sistema federativo, os Estados e (equivalentes) aos nossos Municípios não são alcançados por atos federais.
Musk disse que economizaria US$ 3 trilhões. Quando saiu do Governo, 157 dias depois, apresentou uma economia de US$ 175 milhões (números discutíveis, porque não levam em conta o custo das indenizações pelas demissões realizadas).
Ocorreu enorme resistência dos trabalhadores contra Musk/Trump, com graves prejuízos à imagem dos produtos da tesla, por exemplo (ah, nesse momento Trump está incomodado com a seguinte frase nas redes sociais: “Trump sempre amarela”).
A agressividade Musk não se dirigia - como objetivo final - à redução do tamanho do Estado. A presença dos “donos” das Big Techs (Musk – SpaceX, Jeff Bezos – Amazon, Mark Zuckerberg – Meta, Tim Cook - Apple e Sandar Pichai - Google) na posse de Trump revela uma nova concepção destes setores para organização estatal. Musk (e outros) querem (e precisam) de um Estado forte. Um Estado de natureza policial, para garantir a riqueza e a renda acumulada e a continuidade da acumulação pelos grupos econômicos muito, mas muito, ricos.
É claro que contratos da NASA e subsídios do Governo para SpaceX, são parte integrante do pacote.
Vejam, daí para Musk fazer a saudação nazista e apoiar a AFD, na Alemanha é, bastante, natural. Somente os nazistas são capazes de subordinar os trabalhadores pela violência, pela publicidade e pelo medo, nos termos que necessitam os 1% mais ricos.
Necessário mencionar que além das big techs, também financiaram a campanha eleitoral de Trump o complexo industrial militar, os fundos financeiros e os setores que controlam alimentos (sementes geneticamente modificadas, fertilizantes e venenos).
O primeiro ensaio (de Musk, dentro do Governo) não deu certo. Pela resistência da sociedade e porque o mundo político não está desejoso (ou não pode sustentar) um divórcio completo com os eleitores, que dependem de serviços públicos (especialmente os programas de seguro saúde: medicare federal – para idosos e o medicaid – federal/estadual para aqueles que estão abaixo da linha da pobreza).
É claro que no EUA tem (centralmente) duas forças eleitorais, Democratas e Republicanos, que são muito parecidas. Ambas, estão gerindo um império em decadência. Então, não há um caminho para os trabalhadores expressarem a crise no mundo político eleitoral. Tâo pouco, para melhorar os salários dos trabalhadores.
Musk saiu. E saiu atirando. Vejam o que disse sobre o orçamento de Trump: “Esse enorme, escandaloso e porco projeto de lei de gastos... é uma abominação repugnante. Vergonha deveriam sentir aqueles que votaram”.
O pessoal do Trump rebateu (ou disse antes): Musk, durante a campanha eleitoral “teve problemas familiares e fez consumo excessivo de drogas”.
Claro que Musk respondeu: “não fiz consumo excessivo de drogas” e “sem a minha participação Trump não ganharia as eleições”. E insinuou que Trump participava de festas com “estupro de menores”. Ao que Trump respondeu que Musk “enlouqueceu”.
Você gostou do diálogo. Tranquilo, foi de cada um em sua rede social. Poderemos ter mais?
Há um novo paradigma: Os muito ricos querem (precisam desesperadamente) se apropriar do Estado para ter certeza de que não serão ameaçados pelo povo. E que, se o povo tentar tomar “seu dinheiro”, tributando seus ganhos e suas riquezas, por exemplo, as forças do Estado deverão ser utilizadas para punir, inclusive comunistas como o Senador Sanders e a Kamala Harris. Imagina o que farão com o cidadão comum (não estou falando dos imigrantes).
Yanis Varoufakis, Ex-ministro da economia da Grécia, criou uma expressão, que denominou Tecno Feudalismo, para defender que o capitalismo alcançou a subordinação de todos os humanos ao seu alcance para o novo processo de servidão (tratarei desta matéria, no próximo artigo).
Bem, no Brasil não existem big techs. Existem os muito ricos, que seguem acumulando fortunas, sem nada produzir. Contam, é claro, com a ajuda do Estado que fixa a taxa SELIC através do BC, em 14,75%. Então, quais forças vamos enfrentar em 2026? Vamos enfrentar aqueles que vivem de rendas. Não é novidade. Eles já estiveram no Governo anterior com o Ministro Guedes (que comandou 05 ministérios: fazenda, planejamento, indústria e comércio, previdência e trabalho). Guedes não era – somente - representante desses setores que vivem de rendas. Era a essência desses setores.
O paradigma mudou. Não basta o “Estado mínimo”, com precarização dos serviços públicos. Agora, eles precisam um Estado policial, contra o povo.
*Presidente da Federação Nacional das Entidades dos Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil – FENASTC