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Fazenda admite que dívida do RS com a União é impagável e necessidade de rever RRF

Escrito por Sul2127 de Fev de 2024 às 09:48
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Em debate em 2022, Leite ironizou as críticas de Onyx à adesão do RS ao RRF. Reprodução: RBS.
 
 

A Secretaria Estadual da Fazenda do Rio Grande do Sul (Sefaz-RS) divulgou no início de fevereiro que a dívida do RS com a União subiu de R$ 82,4 bilhões para R$ 92,8 bilhões em 2023. Desafio que assola o Rio Grande do Sul há décadas, o valor seguirá crescendo pelo menos até 2031, uma vez que o Estado ainda está retomando de forma gradual o pagamento das parcelas que seriam necessárias para reduzir o endividamento.

O crescimento da dívida em 2023 inclui acréscimos de R$ 7,5 bilhões em correção monetária, R$ 3,5 bilhões em juros e R$ 1,4 bilhão em incorporações de outras dívidas do Estado. O aumento leva em conta que o Estado abateu R$ 2 bilhões da dívida no âmbito da retomada gradual do pagamento da parcela, conforme previsto no acordo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), assinado em 2021.

A partir de agora, o valor das parcelas crescerá anualmente até chegar ao valor real da parcela, em 2031. A pedido da reportagem, a Sefaz informou o valor das parcelas, não corrigidos por juros ou inflação, para os próximos oito anos (ver tabela abaixo). Em 2024, a parcela a ser paga é de R$ 2,76 bilhões. De 2031 em diante, de R$ 9,74 bilhões em valores atuais.

*Em valores atuais, não corrigidos por juros ou inflação. Fonte: Sefaz RS

No balanço das contas públicas de 2023 divulgado em fevereiro, a Sefaz informou que o RS teve superávit orçamentário de R$ 3,6 bilhões, valor que foi impactado pelo não pagamento da dívida, pelo ingresso de R$ 4 bilhões com a privatização da Corsan, por R$ 1,4 bilhão de receitas de compensação da União relativas a perdas com ICMS de 2022 e por R$ 627 milhões de rendimentos do Caixa Único. Sem esses fatores, haveria um déficit de R$ 7,2 bilhões em 2023, segundo a Sefaz.

Revisão do RRF
Apesar de ser, como a própria secretária Priscilla Santana diz, o maior ponto de atenção das contas públicas do Estado, a dívida com a União é um tema árduo que não necessariamente é analisado com a devida seriedade. Durante as eleições em 2022, o tema foi destaque apenas pelo viés cômico, durante uma interação entre Eduardo Leite (PSDB) e Onyx Lorenzoni (PL) em debate no segundo turno.

Na ocasião, após Onyx criticar a decisão do governo de aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), em 2021, o governador respondeu: “Qual a alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal, candidato?” Na tréplica, o candidato bolsonarista disse: “Completamente diferente da sua escolha. O senhor fez uma má escolha.” Seguiu-se então uma troca de farpas em que Leite questionava sobre qual seria a alternativa e ouvia como resposta de Onyx que ela seria “muito melhor que a sua”.

Apesar do caráter fatalista da fala de Leite, a secretária Pricilla Santana admitiu, já em junho de 2022, durante audiência em comissão da Assembleia Legislativa, que a trajetória da dívida era “absolutamente insustentável” e indicou que o governo estadual já estava em conversas com técnicos da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) para tentar renegociar os termos de adesão ao RRF.

Em resposta aos questionamentos enviados pelo Sul21, Pricilla diz agora que a Sefaz segue em tratativas a respeito do tema. O foco principal das conversas é a revisão do indexador, a regra que atualiza mensalmente o valor da dívida. Atualmente, ela é atualizada pelo Coeficiente de Atualização Monetária (CAM), que utiliza o menor índice entre a variação mensal acumulada de 2013 do IPCA mais juros de 4% ao ano e a variação mensal acumulada para o mesmo período pela taxa Selic. Tendo em vista que o índice acumulado pela Selic desde 2013 é cerca de 40 pontos inferior ao índice formado pelo IPCA + 4%, a dívida do Estado esteve indexada exclusivamente à taxa Selic ao longo de 2023. Ao final de 2023, a Selic estava em 11,75%, mas chegou a atingir 13,75%, o que resultou no aumento de 13% no saldo devedor.

“É importante ressaltar que o governo do Rio Grande do Sul, em conjunto com os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, enviou ao Ministério da Fazenda sugestões a respeito da Minuta de Lei Complementar que instituirá o novo Regime de Reequilíbrio Fiscal, buscando assim defender os interesses do povo gaúcho e buscar uma revisão compatível com a situação fiscal dos entes federativos”, diz a Sefaz.

A secretaria informou ainda que, nas negociações com o governo federal, apresentou uma proposta de acabar com as atuais regras de indexação do contrato e substituí-las por juros fixos de 3% ao ano, o que pegaria como referência a meta de inflação de longo prazo do País. “É uma solução para o fim do drama fiscal dos estados que possuem dívidas com a União, sem prejudicar as contas do governo federal. Assim, o saldo da dívida começaria a ser pago, de fato”, diz.

Dívida impagável
Para a Secretaria da Fazenda, o fato de o indexador estar atrelado, entre outros fatores, à taxa Selic, tem feito com que a correção da dívida seja elevada a patamares que extrapolam a capacidade de pagamento do Estado. A Sefaz defende que é necessária uma mudança de índice de correção da dívida.

“Essa discussão tem sido uma prioridade para o RS e outros Estados, que defendem a mudança nos encargos da dívida”, diz a secretária Pricilla Santana, por meio de nota encaminhada à reportagem.

Além do índice de correção estar acima da capacidade de pagamento do Estado, a Sefaz pontua que o cenário de redução da receita de ICMS, a partir de redução tributária promovida de forma unilateral pelo presidente Jair Bolsonaro às vésperas da eleição de 2022, também justificaria a necessidade de revisão de metas e compromissos do Regime de Recuperação Fiscal para os próximos anos.

A secretária acrescenta ainda que as incertezas com relação à regulamentação da reforma tributária — notadamente sobre a forma de divisão do IVA, que substituirá o ICMS, entre os estados — criam um cenário de indefinição sobre a arrecadação futura, o que também vai impactar na capacidade financeira do RS.

“Para manter a regularidade dos pagamentos e realizar investimentos, o Rio Grande do Sul precisa ampliar sua capacidade de arrecadação, que foi muito prejudicada, para promover uma sustentabilidade fiscal pelos próximos anos, especialmente em função do contexto federativo e assegurar o futuro dos gaúchos recuperando receitas que foram reduzidas unilateralmente pela União e protegendo nossa participação no bolo tributário nacional”, diz a nota da Sefaz.

Auditor do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) e diretor de Comunicação da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Filipe Leiria, que tem se dedicado a estudar a situação da dívida do Estado com a União, pontua que o ritmo de crescimento das parcelas exigiria que o Estado apresentasse superávits que só seriam possíveis com um crescimento da economia muito acima do que seria realista.

“A Receita Corrente Líquida (RCL), em 2023, cresceu em R$ 6 bilhões e o saldo da dívida, mesmo pagando ela, cresceu R$ 10 bilhões. Então, há um descompasso, que a gente pode extrapolar para os demais anos. Pensar que o Estado conseguirá fazer superávits primários para acompanhar a retomada das parcelas da dívida pressupõe um crescimento da RCL numa velocidade muito maior. A receita é uma função do Produto Interno Bruto (PIB), então a economia tem que andar numa velocidade que não se vislumbra como fato. Isso nos leva à conclusão de que o Estado do RS precisa necessariamente rever a questão estrutural da dívida, que é a correção”, diz Leiria.

A reportagem do Sul21 questionou a Sefaz sobre quando, dentro da atual projeção de pagamentos, a dívida do Estado com a União iniciaria uma trajetória descendente, isto é, começaria a ser reduzida anualmente. A questão foi respondida com a defesa de que é preciso rever o índice de correção da dívida.

Leiria avalia que, de fato, não há saída para a questão da dívida com a União que não passe por uma solução política negociada com o governo federal para modificar a estrutura da relação de endividamento dos entes federados. Contudo, ele destaca que, publicamente, o governador Eduardo Leite ainda tenta convencer a população de que a situação poderia ser contornada pela manutenção da política de ajuste fiscal.

“Acho que o governador talvez por conveniência, não dá a extensão correta do problema estrutural. Há um certo discurso, muito mais ideológico, de passar uma ideia de que é possível fazer um ajuste nas contas do Estado e pagar ou ter um fluxo de pagamento razoável, mas nem ele mesmo está conseguindo sustentar essa posição”, avalia.

Vale ressaltar que as maiores parcelas da dívida, como se vê na tabela acima, começarão a ser pagas apenas após a conclusão do atual mandato de Eduardo Leite.

Leiria pontua ainda que, ao aderir ao RRF, o Estado abriu mão de uma ação judicial que estava em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que justamente se discutia alegação de cobrança de juros abusivos por parte da União. Uma liminar concedida em 2017 no âmbito desta ação é o que justamente permitiu que o Estado suspendesse o pagamento das parcelas até a retomada no ano passado, como previsto no acordo de adesão ao RRF.

Leiria argumenta que, no âmbito desta ação, o RS defendia que deveria ser retirada a incidência de juros sobre juros desde a origem do contrato — assinado em 1998 por Antonio Britto –, mecanismo conhecido como anatocismo. “Com isso, a dívida já estaria paga em 2013”, diz.

   

 

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