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Especialista defende auditoria das dívidas do Estado e do Brasil e avalia que débito gaúcho já poderia estar pago

Leia entrevista com Josué Martins no Diário de Santa Maria

Escrito por Deni Zolin / Diário de Santa Maria09 de Nov de 2015 às 10:41
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Josué Martins palestrou em Santa Maria, a convite da Sedufsm.
 
 

Josué Martins, presidente do Sindicato dos Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado, é um dos coordenadores do grupo da chamada Auditoria Cidadã, que defende uma auditoria das dívidas do Estado e da União. Ele deu palestra em Santa Maria, na sexta à tarde, a convite da Sedufsm. O colunista Deni Zolin fez uma entrevista com ele, que avalia que estamos pagando dívidas que nem temos e que o Estado e o país são explorados. Assim, falta dinheiro para o essencial. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

Diário - Alguns países já fizeram auditoria da dívida?
Josué Martins - Sim, no Equador, o resultado foi que a dívida diminuiu em 70%. Porque o que é a essência da auditoria é verificar dentro de aquilo que se alega como devido pelo Estado, o que é realmente devido. Afastar dali o que é ilegal, irregular, dívida prescrita. O presidente Rafael Correa montou um grupo de especialistas. Nos títulos do governo, eles constataram que o Equador não devia mais nada. Tinha dívida prescrita, dívida cujo contrato não apareceu. Não se sabia o que estava se pagando, então o Correa chamou os credores e disse "Vou pagar 30% do valor de face desses títulos", e 95% dos credores aceitaram. Só 5% discutem na Justiça.

Diário - Mas como o Equador estava pagando dívidas e juros, se nem sabia ao certo o que devia?
Martins - Essa que é a questão. O que tem de mais pesado no mundo da corrupção são as altas finanças. Então, é certo que alguém estava ganhando alguma coisa com isso. Espoliando a nação equatoriana.

Diário - E aqui no Brasil e no Rio Grande do Sul, acontece a mesma coisa?
Martins - Aqui no Estado, é diferente. Ele tem um contrato com a União, um contrato pesado. De 1994 a 1998, a dívida do Estado cresceu algo como R$ 20 bilhões e, em 98, fizemos o contrato com a União, e ela se estabilizou, mas lá em cima, na ordem de R$ 50 bilhões (em valores atualizados). No ano passado, ela ficou em R$ 54 bilhões. Esses contrato de 98 consolidou essa dívida que cresceu, a União assumiu a dívida do Estado e disse "Eu vou assumir, vou pagar os credores de vocês, e vocês vão me pagar por ter esse contrato". Resumo da ópera, esse contrato tem um limite de pagamento mensal, de 13% do orçamento. A diferença desse contrato é que no final, depois de 30 anos, fica um resíduo. Ele não consegue pagar a prestação calculada. Bate nos 13%, e o que excede, vai para o resíduo. Hoje ele já é metade do que a gente deve. E quando chegar em 2028, não vai estar pago. A diferença é que vai ter mais 10 anos para pagar o resíduo, sem o limite dos 13%, o que será pior.

Diário - A renegociação de 1998 foi boa ou ruim?
Martins - Em 1999, os auditores fiscais do TCE fizeram uma relatório e disseram, tem problemas aqui. O principal é que o contrato tira a autonomia da gestão financeira do Estado, pelo volume de recursos que subtrai. De 91 a 97, gastamos com a dívida, 8% do Orçamento anual, em média. O contrato definiu 13%. Só ali subiu 5 pontos. De 98 a 2014, a média foi 16%. Então, dobrou o gasto com a dívida. O contrato de 98, que era para nos ajudar, está nos garoteando. Foi péssimo. Em 2013, o que a União arrecadou de todos os Estados com as dívidas foi R$ 28,59 bilhões. O que a União gastou com a dívida que assumiu foi de R$ 81 milhões, é milhões, não bilhões. É lucro de 84.862% de lucro à União.

Diário - O Estado deve quanto para a União?
Martins - Para a União, R$ 47,1 bilhões, no final de de 2014. A dívida total do Estado é de R$ 54,1 bilhões. Disso aí, já se sabe que tem uma irregularidade grave, que é a de juros sobre juros. Isso significa R$ 7,1 bilhões. Então, essa dívida de R$ 47,1 bi baixaria para R$ 40 bilhões. Não é pouco.

Diário - Tem mais outras irregularidades?
Martins - Aí tem de auditar. É preciso identificar por que, de 1994 a 1998, ela subiu de R$ 30 bilhões para R$ 50 bilhões (valores atualizados), pois isso impacta no resto. O Estado está pagando de custo da dívida, de R$ 240 milhões a R$ 260 milhões por mês.  O problema desse contrato com a União é que ele é corrigido pelo IGPDI mais 6%. A gente tem dito que numa relação de parceria entre entes federados, não cabe lucro, e esses 6% são lucro. Tem de tirar isso e recalcular o contrato desde o início, pois dá juro sob juro e mudar o IGPDI. De 1999 a 2014, cresceu 876%. Disso, 601% são juros, que a União lucrou sobre o Estado. A gente defende que se pague só o IPCA desde o início, o que dá 178%. Se isso for aplicado, e tem um projeto de lei no Senado, dos três senadores gaúchos, nós já teríamos pago a nossa dívida com a União em 2013 e teríamos crédito de R$ 5,9 bilhões.

Diário - Qual a chance de esse projeto ser aprovado?
Martins - Só tem chance de acontecer se tiver uma ampla mobilização nacional, pois o governo federal não tem feito nada em relação a isso. Quanto à dívida da União, o Orçamento Geral da União executado em 2014 foi de R$ 2,168 trilhões, sendo que R$ 978 bilhões foi o que a União gastou em 2014 para pagar com juros e amortização da dívida, que é de R$ 3,7 trilhões. Dá quase 45% do Orçamento só com os gastos com a dívida. E daí vem toda a discussão com a previdência, mas os gastos com a previdência são de 21,76% do Orçamento. Com saúde, os gastos foram de 3,98%, e com educação, de 3,73%.

Diário - Por que a União não faz o que o Equador fez?
Martins - Porque está se tratando aqui daquilo de mais poderoso no mundo, que é o setor financeiro. Ele domina de forma avassaladora, comanda governos e formadores de opinião, financia campanhas. Esse é o enfrentamento de que estamos falando. A auditoria cidadã divulga isso, porque é preciso que a população tome consciência do que significa a opressão da dívida sobre nações. Hoje, a grande discussão aqui é o superávit primário. Educação? Saúde? Saneamento? Não. Então, tudo em função do superávit primário para pagar a dívida.

   

 

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