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Cezar Miola destaca eficácia da ação preventiva do TCE

Escrito por Jornal do Comércio, publicado no dia 22/06/201522 de Jun de 2015 às 13:40
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"Transparência e acesso à informação são fundamentais para aperfeiçoar a governança".
 
 

O Tribunal de Contas do Estado (TCE) completa 80 anos de atuação nesta semana. Após atravessar um período de encerramento das atividades e mudanças de competências, o órgão chega em 2015 como uma das principais entidades responsáveis pela fiscalização do uso dos recursos públicos. Ao todo, 1.256 órgãos de todos os poderes têm sua atuação analisada pelo TCE.

Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente do tribunal, Cezar Miola, afirma que a Corte tem investido em uma atuação de prevenção às irregularidades - analisando licitações e execuções de projetos em andamento para evitar o desperdício de recursos públicos.

"Ano passado, o conjunto das cautelares que o tribunal emitiu lidava com processos cujos valores superavam R$ 340 milhões. É importante que o tribunal aplique pena e multa quando há irregularidade configurada, mas a efetividade é muito maior quando conseguimos manter o controle de acompanhamento."

Miola também avalia que o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) tem se ampliado nos últimos anos, mesmo que com dificuldades. "Estamos estimulando a transparência ativa, para que cada vez menos o cidadão precise bater às portas da administração pública para receber a informação. A própria lei diz que a transparência é a regra e o sigilo é a exceção, então o desafio é que sejam colocadas de pronto na internet", disse. O presidente da entidade também comenta a atuação do tribunal em diversas áreas sociais.

Jornal do Comércio - Quais as principais mudanças no Tribunal de Contas do Estado nestes 80 anos de existência?

Cezar Miola - O TCE foi criado em 1935 pelo governador Flores da Cunha. Com o advento do Estado Novo, em 1937, as estruturas democráticas foram impactadas e os tribunais de contas, fechados. A partir de 1946, a redemocratização e uma nova Constituição trouxeram um alargamento das competências do tribunal, muito marcadas pelo chamado controle prévio - as principais despesas da administração pública deveriam ser chanceladas previamente pelo TCE. Com a Constituição de 1967, passamos para o modelo que envolve a realização de auditorias e inspeções. Em 1988, houve um salto de qualidade, com a possibilidade expressa na Constituição de examinarmos, além daquele controle de legalidade, também as auditorias de natureza operacional, a chamada qualidade do gasto público. Então, 80 anos é uma data muito significativa por conseguirmos identificar com clareza a evolução e melhoria no exercício do controle. O TCE do Rio Grande do Sul fiscaliza um universo de 1.256 poderes, entre órgãos e entidades, e, em 2014, realizamos mais de 3 mil procedimentos de auditoria e inspeção in loco nos mais de 497 municípios do Estado.

JC - Quais as diferenças entre a atuação do TCE no período de ditadura militar e na democracia?

Miola - É evidente que os regimes autoritários normalmente não estimulam e fortalecem as estruturas de controle, que se coloca com muito mais vigor no regime democrático. O ambiente democrático, com o controle e a transparência, influencia o quanto um tribunal pode representar do ponto de vista da preservação, da moralidade, da impessoalidade e do combate à corrupção. Então, a redemocratização abriu novos horizontes.

JC - A transparência tem sido um dos principais pontos de atuação do TCE, especialmente com o avanço nos recursos de tecnologia da informação. Como está a situação dos órgãos públicos que vinham apresentando dificuldade na divulgação de dados previstos por lei?

Miola - Fizemos um investimento significativo para consolidar o processo de transparência no próprio tribunal, nos submetendo às mesmas exigências dos gestores do Executivo, Legislativo, Judiciário e da administração indireta. Tivemos essa preocupação inicial antes da Lei de Acesso à Informação, que veio para dissipar dúvidas quanto ao alcance e à classificação dos documentos, como secretos, sigilosos e reservados. A transparência e o acesso à informação pública são fundamentais para o aperfeiçoamento da gestão e da governança, para que tenhamos melhores resultados em termos de administração dos recursos públicos.

JC - Garante mais controle...

Miola - Porque isso acarreta no autocontrole da administração, que se sabe vigiada e sabe que o cidadão pode requerer informações se estas não estiverem disponíveis no portal, independentemente da motivação. O tribunal tem fiscalizado o cumprimento da LAI realizando auditorias em todos os órgãos e, examinando os requisitos da lei, verificamos que, ao longo desses três anos de vigência, houve um extraordinário avanço. Em 2012, por exemplo, 50% das câmaras de vereadores não tinham portal na internet. Em 2014, menos de 20%. Ou seja, mais de 80% já tinham o seu portal na internet. Atribuo boa parte desse resultado ao trabalho do Tribunal de Contas, de indutor de fiscalização e cobrança, para melhorar o processo de comunicação.

JC - Um dos principais problemas dos portais é a qualidade das informações. Como está sendo feita esta fiscalização?

Miola - Fazemos relatórios e os problemas detectados em cada município precisam ser justificados e corrigidos. Concordo que há deficiências nesta área, temos cobrado melhorias neste sentido, mas saímos de um período muito recente de opacidade e nem sempre a transição se dá com facilidade. Seria injusto não reconhecer a significativa evolução que está ocorrendo, há um movimento bem importante. Estamos estimulando a transparência ativa, para que cada vez menos o cidadão precise bater às portas da administração pública para receber a informação. A própria lei diz que a transparência é a regra e o sigilo é a exceção, então o desafio é que sejam colocadas de pronto na internet.

JC - A internet ampliou o número de denúncias?

Miola - Nos últimos dois anos, os números estão estabilizados: tivemos cerca de 8 mil demandas da ouvidoria. Tem havido um estímulo para a participação dos cidadãos. Sempre examinamos todas, algumas remetemos para quem seja competente, mas nenhuma informação é desconsiderada aqui. Poderíamos dizer que um terço se confirma.

JC - E o percentual de prefeitos penalizados por irregularidades nas contas públicas?

Miola - No caso dos prefeitos, temos dois tipos de processos. Nas contas de governo, analisamos e emitimos um parecer, favorável ou desfavorável, à aprovação das contas, que é julgado pelos legislativos. Nas contas de gestão, a análise não vai para a câmara, as contas são julgadas pelo tribunal em caráter definitivo. É nesse processo, então, que o tribunal pode aplicar multa, determinar a devolução de valores, julgar contas irregulares e remeter a informação ao Ministério Público Eleitoral, que pode impugnar uma candidatura com base na lei da inelegibilidade (Lei da Ficha Limpa). A multa tem um valor bastante baixo, no máximo de R$ 1,5 mil. Encaminhamos vários projetos para que a Assembleia Legislativa aumentasse o valor, mas não tivemos êxito.

JC - O projeto será reapresentado?

Miola - No momento, não. O que temos feito é aplicar os demais instrumentos jurídicos que nos permitem. Aplicamos débito quando há devolução de valores, mas lidamos com essa dificuldade em relação à multa, que não tem cumprido com o papel que a multa deve ter de prevenir a ocorrência de irregularidades. O tribunal não pretende aplicar multa quando são erros simples e formais, ele aplica multa quando há falhas relevantes. No caso da devolução de valores, não há limites.

JC - As irregularidades têm crescido nos últimos anos?

Miola - Tem mantido certa estabilidade. Temos tido atuação que é preventiva, através das medidas cautelares. Muitas vezes, o dano que ia aparecer lá na frente é evitado pelo Tribunal de Contas quando determina, por exemplo, a suspensão de uma licitação ou a correção de aspectos do edital. Ano passado, o conjunto das cautelares que o tribunal emitiu lidava com um conjunto de processos cujos valores superavam R$ 340 milhões. É importante que o tribunal aplique pena e multa quando há irregularidade configurada, mas a efetividade é muito maior quando conseguimos manter o controle de acompanhamento.

JC - As inspeções especiais têm sido bastante visíveis dentro do conjunto de trabalhos do TEC. Houve um crescimento?

Miola - As inspeções especiais têm crescido ao longo dos últimos anos e isso vai ao encontro daquela abordagem sobre as medidas cautelares. Toda vez que temos a concessão de uma medida cautelar, temos uma inspeção especial acompanhando esse trabalho. Conforme o próprio nome indica, é especial por sair da rotina. Nesse caso, tratamos pontualmente daquele assunto que veio com a denúncia, que o corpo técnico trouxe à tona e, nesse momento, pode haver a decisão do relator da matéria pela concessão de uma cautelar justamente para evitar um pagamento irregular.

JC - Há uma inspeção especial em curso na Assembleia Legislativa, que envolve a suspeita de diversas irregularidades. O senhor acredita que o Legislativo tem mecanismos falhos de controle interno?

Miola - Temos investido muito no estímulo da organização dos controles internos em todos os poderes e órgãos. O tribunal editou uma resolução em 2012, que fixou os parâmetros de controles. Na época, tínhamos muitos controles internos integrados somente por servidores investidos em cargos de comissão (CCs), sem formação técnica específica para a área de auditoria. Não diria que superamos totalmente esse quadro, mas evoluímos muito. Entendemos que há necessidade permanente de investimento em controle interno, seja qual for a estrutura de poder, e colocamos o tribunal à disposição, com nossa unidade de planejamento e de gestão estratégica que pode eventualmente ser útil ao Legislativo. Na Assembleia Legislativa, o caso é de um volume muito grande de despesas, então é importante que haja estruturas de controle bastante robustas, no sentido de prevenir as ocorrências. O importante é que, constatado o problema, se adote medidas para que ele cesse e evite a repetição eventualmente.

JC - Quais os principais desafios do tribunal para os próximos anos?

Miola - Continuar na linha de um controle cada vez mais proativo, que não lide apenas com o fato consumado, que se antecipe e que acompanhe a gestão. Outra proposta é de examinarmos a administração pública não apenas individualmente, processo a processo, que é nossa responsabilidade, mas, além desse exame pontual, fazermos auditorias operacionais, de natureza qualitativa, que possam oferecer subsídios para o conjunto da população, análises críticas em relação a temas relevantes, como a tarifa do transporte público de Porto Alegre.

JC - Houve repercussão imediata...

Miola - O trabalho feito dentro de uma inspeção especial trouxe um efeito extraordinário, e tenho a pretensão de dizer que ajudou na discussão pública, que foi para a rua naquele momento (em junho de 2013). O cidadão quer que as contas públicas sejam bem gerenciadas, e esses temas de dimensão social maior vêm recebendo a atenção do TCE. Falamos muito de despesa, e devo ter falado poucas frases da arrecadação. Não tem política pública que vá ser executada fora do orçamento e o orçamento é receita e despesa. Então, temos uma certa cultura de olhar muito para o aspecto despesa pública, mas temos a fiscalização da receita, que envolve o Estado e os municípios. Queremos que cobrem tudo aquilo que deve ser cobrado, porque existe muita prescrição de valores que se perdem por falta de cobrança, tributos que, às vezes, não são instituídos, e temos um trabalho muito importante nessa área para aumentar a receita e fazer justiça fiscal e tributária.


Perfil

Cezar Miola tem 51 anos e é natural de São João da Urtiga, no Nordeste do Estado. Em 1987, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Na mesma instituição, também concluiu o curso de Pós-?Graduação em Direito Processual Civil. Nos anos seguintes, realizou aperfeiçoamento em cursos de extensão nas áreas dos direitos Administrativo, Constitucional, Tributário e Previdenciário. No anos 1980, foi assessor e secretário de Administração em Sertão e assessor jurídico e procurador das cidades de São João da Urtiga e Cacique Doble. Em 1992, ingressou no cargo de auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE). No órgão, também exerceu as atividades de auditor de campo e assessor superior na Direção de Controle e Fiscalização e Consultoria Técnica da Corte. Em 1998, se tornou adjunto de procurador do Ministério Público Especial junto ao tribunal. A partir de 2008, passou a ocupar o cargo de conselheiro do TCE e há quatro anos é presidente do órgão.

   

 

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