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Artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo - Revista Carta Capital

Escrito por Ceape TCE/RS01 de Jul de 2013 às 13:38
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Artigo Luiz Gonzaga Belluzzo Revista Carta Capital: Muitas dúvidas, algumas certezas. 

As forças nos subterrâneos da sociedade cuidam de manter e ampliar os seus privilégios e promover a corrupção da democracia

POR LUIZ GONZAGA BELLUZZO

"A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança. Que a promulgação seja nosso grito: Mudar para vencer! Muda, Brasil!"

Ulysses Guimarães, na promulgação da Constituição de 1988

Trato mais uma vez das manifestações que sc espalham pelo Brasil, Vou me socorrer das opiniões exaradas tantas vezes em minhas colunas de CartaCapital. O envelhecimento tem a vantagem de, ao mesmo tempo, aumentar as dúvidas e consolidar poucas convicções.

Tenho razões para acreditar que a diversidade de pontos de vista e de reivindicações demonstra que o movi mento almeja construi r, pelo debate crítico, a continuada revisãodas certezas provisórias, as suas próprias condições de avaliação e julgamento. Para quem não entende o que é debate crítico, cito, ainda uma vez, Cristopher Lasch: "A democracia requer um debate público vigoroso, não apenas informação. E óbvio que a informação é importante, mas o tipo de informação exigido na democracia só pode ser gerado pelo debate. Não sabemos o que precisamos saber até que possamos formular as questões corretas e só podemos saber quais são as questões corretas se submetermos nossas próprias ideias sobre o mundo ao teste da controvérsia pública"".

Em sua história recente, assim prosseguem minhas convicções, as sociedades modernas rejeitaram todas as formas de transcendência: religiosas, políticas (pseudorrevolucionárias), moralistas e midiáticas.Tais monstruosidades pretendem se colocar "fora" da bul ha do mundo da vida dos cidadãos que andam de ônibus pel as aven idas das metrópoles estropiadas pela especulação imobiliária.

Na sociedade contemporânea, imagino, não haja lugar para tribunais privados ou julgamentos autocráticos dos comportamento alheio, senão como uma grotesca reincidência no pecado do Orgulho, a ousadia de Lúcifer, o anjo decaído.

Minhas dúvidas começam com os que se consideram acima do Bem e do Mal. Já escrevi que nos tempos da sociedade de massa e do aparato de comunicação abrigado na grande mídia, as Potências

- assim diz o filósofo Gilles Deleuze - estão desinteressadas em sufocar a crítica ou as ideias desviantes. Não se ocupam mais dessa banalidade. Elas se dedicam a algo muito mais importante: fabricam os espaços da literatura, do econômico, do político, espaços completamente reacionários, pré-moldados e massacrantes. "É bem pior do que uma censura", diz Deleuze, "pois a censura provoca efer vecências subterrâneas, mas as Potências querem tornar isso impossível."

Volto às convicções. Os momentos de radicalização da democracia fazem emergir as contradições de um regime socioeconômico incapaz de cumprir as promessas da autonomia do indivíduo integrado à sociedade - Liberdade, Igualdade e Fraternidade - estampadas nos estandartes da modernidade. Realizar essas promessas significa resguardar o indivíduo e a sociedade dos dois perigos que os ameaçam: o controle estatal da vida privada e a subordinação do mundo da vida à lógica do dinheiro. Nos Estados Unidos, o movimento Ocupe Wall Street sucumbiu d iante do poder da finança e fracassou em seus propósitos de domesticá-la, enquanto o Estado policial avança na devassa da vida privada dos cidadãos envolvidos nas liberdades das redes sociais, São sinais perturbadores da permanência dos poderes das Potências.OS MOMENTOS DE RADICALIZAÇÃO DEMOCRÁTICA FAZEM EMERGIR AS CONTRADIÇÕES DE UM REGIME SOCIOECONÔMICO INCAPAZ DE CUMPRIR AS PROMESSAS DE AUTONOMIA DO INDIVÍDUO SEGUNDO A MODERNIDADE

As forças que se movem nos subterrâneos da sociedade cuidam de manter e ampliar os privilégios, promovera corrupção da democracia, reafirmar o caráter despótico das leis que impõem o domínio do dinheiro nas relações sociais. Enquanto se discute nas ruas e nas praças, as transformações na base econômica da sociedade ocorrem a uma velocidade estonteante, modificam e ameaçam as perspectivas de vida de milhões de seres humanos.

Os encarregados de emitir as opiniões das Potências concentram as atenções no episódico, no momentâneo, até que o fato perca o seu impacto. As relações de poder que permitiram a eclosão do descontentemanto coletivo são suprimidas e as manifestações de protesto transformadas em erupções espontâneas de um descontentamento difuso. O deslocamento da nossa compreensão dos fenômenos políticos, econômicos e sociais chega à exasperação. Inspiradas nos mandamentos do espetáculo e da intimidação, os estardalhaços midiáticos cuidam de ocultar, sempre, o problema de fundo, a raiz do fenômeno. O que nos oferecem é uma sucessão de superficialidades, imagens desfiguradas e ilegíveis. O propósito não é apenas suscitar no espectador a raiva, a sensação de revolta, mas reduzi-lo à impotência crítica e imobilizá-lo nas cadeias do imediato.

Nos espaços fabricados pelas Potências nãoé possível manter conversações, porque neles a norma não é a argumentação, maso exercício da animosidade sob todos os seus d isfarces, a prática desbragada da agressividade a propósito de tudo e de todos, presentes ou ausentes, amigos ou inimigos, Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo. "Estranho ideal policialesco, o de ser a má consciência de alguém", diz Deleuze.

Os radicais da imediatidade, à esquerda e à d ireita, pretendem tra nsformar a opinião em Potência, abandonam a crítica pela vigilância do outro. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento.As exaltações do individualismo narcisista dos tempos da globalização suprimem as diferenças de poder real entre classes sociais e tratam de esconder o conflito entre a dinâmica econômica do capitalismo e as condições requeridas para a radicalização da convivência democrática.

Hoje, mais do que nunca, a crítica da sociedade existente não pode ser feita sem a crítica da economia política.

   

 

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