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A especulação financeira e os Regimes Próprios de Previdência

Escrito por Ceape TCE/RS28 de Nov de 2012 às 11:39
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Intervenção expõe risco de institutos de previdência

 

A liquidação extrajudicial da Diferencial, uma corretora de porte médio com sede em Porto Alegre (RS), revelou o alto risco ao qual estavam expostos dezenas de institutos de previdência de Estados e municípios, os chamados Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), que fazem a gestão da aposentadoria e da pensão de funcionários públicos.


Esses institutos aplicaram dezenas de milhões de reais em um fundo gerido pela Diferencial com características incomuns e pouco vantajosas, como a cobrança de multa de 15% sobre resgates de aplicações - caso optasse por não pagar a penalidade, o cotista teria de esperar 730 dias corridos pare receber o dinheiro.

Antes da liquidação, cerca de 40% do patrimônio do fundo correspondiam a papéis prefixados dos bancos BVA, PanAmericano e Rural, com vencimentos longos, de 2020 até 2030, e rentabilidade de até 18% ao ano. A intervenção do Banco Central no BVA em outubro representou um baque adicional para os investidores, porque a carteira contabilizou perdas de R$ 240 milhões, o equivalente a 36,4% do patrimônio, conforme fato relevante divulgado em 24 de outubro.

Outro motivo de apreensão é que a corretora não foi liquidada apenas devido ao comprometimento patrimonial, razão que constava no comunicado ao mercado divulgado pelo BC no ato da liquidação. Ao Valor, o BC esclareceu que foram encontradas distorções em preços de papéis públicos e privados, que beneficiavam a corretora ou terceiros. O advogado da corretora, Dárcio Vieira Marques, indicou em entrevista um suposto envolvimento dos institutos de previdência nessas irregularidades. "O processo do BC citava institutos de previdência de várias cidades do interior de São Paulo. Sempre me lembro de Caraguatatuba, que é um nome que me gravou. Seus gestores não eram caboclos da roça", afirmou.

Nos últimos meses, autoridades e representantes de servidores de diferentes regiões do país começaram a questionar a opção dos gestores dos institutos de previdência por esse fundo da Diferencial. Em Roraima, em 31 de outubro, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) decidiram, de forma preliminar, afastar imediatamente o presidente do Instituto de Previdência do Estado de Roraima (Iper), Rodolfo Braga. Ao Valor, o deputado Flamarion Portela (PTC) disse que formalizou um pedido à Assembleia Legislativa de instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), para investigar o que aconteceu na gestão dos recursos do Iper.

Um relatório do Tribunal de Contas de Roraima diz que o gestor do Iper transferiu R$ 70 milhões para o fundo da Diferencial, que tinha condições "desfavoráveis", considerando que há opções de produtos similares sem prazo de carência, sem taxa de saída e com taxa de administração bem inferior, além de administrados por instituições tradicionais. O documento traz uma comparação entre a rentabilidade do fundo da Diferencial no ano até setembro (12,39%), do BB IMA-B 5+ (20,23%) e do Caixa FI Brasil (16,76%).

Para Rodolfo Braga, o presidente afastado do Iper, a questão é política. Ele afirmou que, antes de sua gestão, o instituto não batia meta atuarial. Já em 2011, a rentabilidade alcançou mais de 15% e superou a meta. "Todos os investimentos do Iper estão de acordo com a política de investimento aprovada pelo Conselho Estadual de Previdência e enviada para o Ministério da Previdência Social", disse.

Em Tocantins, foi o Sindicato dos Servidores Públicos (Sisepe) que mostrou preocupação quanto à alocação de recursos do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Tocantins (Igeprev), também cotista do fundo da Diferencial, com R$ 20 milhões aplicados. O presidente do sindicato, Cleiton Pinheiro, disse que está em busca de informações acerca dos investimentos feitos pelo fundo de pensão e dos papéis aos quais estava exposto.

Por sua vez, o Igeprev explicou que adotou a política de investigar a solidez e o desempenho histórico dos fundos que são apresentados ao instituto. "É preciso deixar claro que o instituto sempre recebe visitas de inúmeras instituições financeiras", respondeu o Igeprev, por e-mail.

Para BC, títulos públicos e privados eram negociados pela Diferencial com preços distorcidos

A reportagem também procurou o Instituto de Previdência de Caraguatatuba (Caraguaprev), por e-mail e telefone, mas não teve retorno. O instituto é citado na ata de uma Assembleia de Cotistas do fundo da Diferencial, que aconteceu em 4 de setembro, bem como pelo advogado da corretora.

Um representante da atual gestão de um instituto de previdência municipal que tem recursos no fundo da Diferencial e pediu para não ser identificado disse que questionou a escolha pelo produto assim que passou a administrar o fundo de pensão. "A primeira coisa que fiz foi olhar para a multa de 15% sobre o resgate e não concordar. Além disso, há papéis na carteira de baixíssima liquidez, devido ao prazo muito longo", disse. Segundo o relato desse gestor, ao tentar resgatar as cotas, a Drachma, gestora do fundo desde a liquidação, pediu que aguardasse, pois seria agendada uma reunião com todos os cotistas. "Até hoje, se houve reunião, realmente não posso dizer. Não houve convite."

Mas as autoridades e representantes de servidores não estão preocupados apenas com o fundo da Diferencial. As supostas irregularidades nas negociações da corretora envolvendo papéis públicos e privados também têm causado dúvidas sobre o envolvimento dos institutos. Por e-mail, a equipe técnica do BC explicou que foram encontradas "distorções em preços de títulos públicos federais e privados (CDBs e letras financeiras) negociados pela corretora em condições de prazo e de taxas de remuneração que destoavam substancialmente daquelas praticadas em operações normais de mercado realizadas por outras instituições". O BC não forneceu mais detalhes, porque o processo envolve sigilo e está sujeito a recurso.

A liquidação de uma instituição financeira é a medida mais dura adotada pelo BC e ocorre quando a intervenção não é mais suficiente para normalizar os negócios da instituição ou preservar os interesses dos mercados financeiro e de capitais.

O advogado da Diferencial protesta contra a decisão da autoridade. Ele diz que a corretora teria sido liquidada devido a irregularidades com papéis negociados por fundos de previdência por intermédio da corretora, exatamente a matéria que está sendo questionada em outro processo administrativo já encerrado pelo BC e que foi objeto de recurso por parte da Diferencial, ainda sem decisão. "Nesse outro processo, a corretora tomou uma multa de R$ 300 mil e o diretor Pedro Szabo foi inabilitado", disse.

Marques afirma ainda que, se um cliente quer vender ou comprar um ativo por determinado preço, a corretora não pode se negar porque o preço está fora dos padrões de mercado. "Se alguém leva uma vantagem, presidente, tesoureiro, não sei quem mais, desconheço. Como se pode inabilitar uma pessoa, tirar suas condições de ganhar a vida, alguém que passou 30 anos só fazendo isso?", indagou.

No mesmo dia em que foi anunciada a liquidação da Diferencial, o BC liquidou a Quantia Distribuidora. Essa distribuidora foi citada no relatório da CPMI dos Correios, de 2006, num caso que guarda semelhanças com o da Diferencial. Naquela ocasião, fundações de previdência privada como a Centrus (Fundação Banco Central de Previdência Privada), Geap (Fundação de Seguridade Social) e Petros (fundo de pensão fundado pela Petrobras) foram investigadas devido a um suposto superfaturamento na negociação de títulos públicos, segundo o relatório final dos trabalhos da CPMI.

O documento cita que a Quantia era intermediária direta nas compras e vendas de títulos públicos junto a entidades e seus fundos exclusivos, a preços previamente acertados, totalmente fora dos praticados pelo mercado. O texto destaca operações de venda de NTN-Bs, com vencimento em 15/05/2005, realizadas em novembro de 2004 e janeiro de 2005, que totalizaram ganhos nominais para a Quantia de mais de R$ 9,1 milhões.

Um documento do Ministério Público do Estado de São Paulo ao qual o Valor teve acesso revela que o Instituto de Previdência de Bom Jesus dos Perdões, um pequeno município do interior de São Paulo, estaria envolvido em irregularidades em negócios intermediados pela Quantia.

O texto detalha diversas operações. Numa delas, de março de 2005, o instituto adquiriu Notas do Tesouro Nacional Série C com vencimento em 2013, no valor de R$ 999.406,19. O Preço Unitário (PU) da compra foi de R$ 2.992, ao passo que o PU divulgado pela Andima (média de mercado) estava em R$ 2.533, o que originou uma diferença de R$ 153.296, que equivaleu a um desembolso 18% superior para o instituto. Em relatório de 29 de junho deste ano, os promotores requereram a condenação do presidente e de uma funcionária do instituto a ressarcir ao erário público do município R$ 1,1 milhão.

Procurado, o presidente do Instituto, José Natalino, disse que as operações renderam juros e não causaram prejuízo ao erário. Ele disse ainda que não tinha como conhecer o PU Andima, que era divulgado apenas no dia seguinte das negociações.

O Banco Central já concluiu dois processos envolvendo a Quantia. O primeiro resultou em uma multa de R$ 25 mil e na inabilitação por dez anos de um dos executivos da distribuidora, Lauro José Senra de Gouvêa, conforme consta de documento do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Já o último, mais recente, teve como consequência uma multa de R$ 100 mil e inabilitação por 20 anos de outro administrador. Este não teve recurso, segundo uma fonte do BC. Um advogado que defendeu a Quantia em anos anteriores foi procurado, mas não se posicionou sobre o caso.

A reportagem enviou um e-mail ao Ministério da Previdência questionando sobre eventuais providências adotadas em relação aos institutos de previdência após a liquidação das duas corretoras. A resposta foi que, "quando são detectados indícios de crimes ou irregularidades administrativas, o órgão notifica ministérios públicos estaduais, polícia federal, tribunais de contas e outros, e assim foi ou está sendo feito nos casos citados". Já a CVM explicou por e-mail que não comenta casos específicos, porém ressaltou que normas e ações são aperfeiçoadas constantemente tendo por base diversos fatores, tal como os casos concretos observados no decorrer dos anos. "Entende-se que o melhor meio de prevenir uma má conduta é a certeza de uma punição exemplar", afirmou a autarquia no texto.

Contexto

Os chamados Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) foram regulamentados pelo governo ao fim dos anos 90 com o objetivo de aliviar a carga sobre a Previdência federal, garantindo a aposentadoria dos servidores de Estados e municípios. A partir de 2010, por meio da Resolução 3.922 do Banco Central, os institutos foram autorizados a aplicar, além de títulos públicos, em fundos de renda fixa, fundos de investimento em direitos creditórios, fundos de ações, fundos imobiliários, entre outros tipos de produtos. A ideia foi permitir que os institutos, até então restritos a comprar papéis públicos, passassem a diversificar seus investimentos e ampliar o retorno a fim de atingir a meta atuarial.

 

Fonte: Valor Ecônomico

27-11-12

 

 

   

 

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