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A dimensão internacional por detrás da deposição de Dilma

Artigo de Diego Pautasso publicado em SUL21

Escrito por Diego Pautasso publicado em SUL2125 de Ago de 2016 às 10:28
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O início do século XXI iniciou com sinais promissores em diversos campos, notadamente, os projetos progressistas da América Latina, o renascimento da África e a crescente sinergia dos países emergentes, sobretudo aqueles reunidos no acrônico BRICS. A crise de 2008 iniciada nos EUA tem recrudescido as políticas liberalizantes e reascendido os movimentos de extrema direita. Ondas de desestabilização se alastram pelo Oriente Médio desde a Primavera Árabe, enquanto na América Latina há o retorno das forças conservadoras pelas urnas ou através de Golpes Brancos.

No Brasil, as manifestações de meados de 2013 iniciaram um revés cujos contornos ainda não estão claros, mas parecem ultrapassar em muito o sentido da deposição da Presidenta Dilma Rousseff. E há alguns elementos de continuidade e mudança nesse ciclo que parece ter se inaugurado. A continuidade é perceptível pela comunhão do novo governo com o interesse de grande parte das elites e com os meios de comunicação. As mudanças são preocupantes e causam apreensões. Primeiro, não há o ‘centrão’ que caracterizou a política brasileira desde a Redemocratização, servindo como ‘amortecedor’ e como moderador, sobretudo das políticas neoliberais dos anos 1990.

Segundo, o grupo que está no poder encampou um pensamento mais privatista e conservador do que aquele dos anos 1990 – com mais açodamento e menos polidez. Por fim, grande parte das forças de resistências parecem prostradas e sem projetos, com dificuldades para mobilizar e produzir alternativas à nova agenda.

Mais do que derrubar um governo nucleado pelo PT, está em jogo o desmonte de um projeto. Trata-se de desarticular o projeto de desenvolvimento iniciado com Vargas, continuado com sobressaltos e reveses ao longo do século XX, e cujo amadurecimento institucional tinha sido plantado com a Constituição de 1988. Na verdade, os governos de Lula e Dilma ao invés de subverter, foram os que mais deram conteúdo ao marco legal surgido com a Redemocratização. Sob o argumento de combate à corrupção, entusiasmando até setores de esquerda, a grande mídia, forças dominantes na justiça e elites econômicas lançam fortes ataques a um projeto (e conquistas) construído por gerações. Assim, o parque produtivo brasileiro vem sendo completamente paralisado com as denúncias de corrupção – ironicamente iniciadas contra a Petrobrás após a revelação das escutas da NSA contra a empresa. A guerra econômica começou com a Petrobrás e alcançou as empreiteiras (Odebrecht, Andrade Gutierres, OAS), chegando à JBS-Friboi e, certamente, aos grandes bancos nacionais. O desemprego e as demais perdas econômicas e políticas fazem a corrupção parecer xixi de borboleta…

É nesse aspecto que a crise doméstica se entrelaça à dimensão internacional, cujos reveses também são dramáticos. É notável o recuo político em relação ao protagonismo do Brasil no BRICS, na integração sul-americana e/ou na presença no continente africano. No caso da integração sul-americana, de prioridade da política externa, a região converteu-se em problema central (notadamente a Venezuela e o Mercosul). À deterioração do projeto de integração regional, soma-se o enfraquecimento das grandes corporações nacionais, públicas e privadas, sem as quais não há a internacionalização das empresas brasileiras e os meios para aprofundar o desenvolvimento nacional e a integração da América do Sul, sobretudo a partir das obras infraestruturais formatadas pela IIRSA e reorganizadas sob a coordenação do Conselho de Planejamento (COSIPLAN) da UNASUL1.


Curiosamente, grandes players brasileiros internacionalizados, com tecnologia nacional e responsável por setores que vão da produção de alimentos à construção civil, passando pela geração e distribuição de energia, petroquímico e de fertilizantes, e chegam, não por acaso, à indústria de defesa. Cabe ilustrar com o papel crucial da Odebrecht Defesa e Tecnologia na autonomia tecnológica brasileira e das Forças Armadas no contexto de implantação da Estratégia Nacional de Defesa (END), com um conjunto de produtos de alta tecnologia e sistemas complexos para uso militar e civil. Isso inclui os submarinos de propulsão convencional e o submarino de propulsão nuclear; o Sistema de Comunicação Segura por Enlace de Dados; um leque enorme de mísseis (míssil ar-ar de curto alcance, 3a geração, o único totalmente integrado ao Supertucano ALX; míssil ar-ar de curto alcance, 5a geração, desenvolvido em parceria entre Brasil e África do Sul; míssil ar-superfície, antirradiação, utilizado em missões de supressão da defesa antiaérea inimiga; míssil ar-ar de curto alcance, 4a geração; míssil superfície-superfície, antinavio, utilizado em combates navais em mar aberto; míssil superfície-superfície, antitanque, de médio alcance); e um conjunto amplo de satélites (como o Satélites Amazônia Multi-Missão para subsistemas de energia e de rastreamento, telemetria e telecomando; o Satélites CBERS ¾ em parceria com a China); e os Veículos Lançadores de Satélites VS-40/SARA e VLS/VSISNAV.

Definitivamente, com a fragilização desses setores e eventual desmonte não sobraria muito ao país em termos de desenvolvimento e inserção autônoma no sistema internacional. Não é possível, portanto, ignorar tais desdobramentos políticos e deixar para os arquivos históricos revelarem o entrelaçamento entre guerra econômica e geopolítica, diplomacia e operações encobertas. Seria ingenuidade supor que a ascensão do BRICS se daria sem maiores sobressaltos. Aos setores da elite brasileira comprometidos com o protagonismo do país na cena internacional, fica o ensinamento que política internacional não se faz só com acordos, discursos bem construídos e cooperação internacional.

Em suma, não se entendem esses processos de desestabilização e golpes do século XXI (ou políticas de regime change como prefere a elite estadunidense) fora do quadro internacional. Da mesma forma, o abandono de conceitos centrais do marxismo, como de imperialismo e luta de classes, fez setores progressistas não entenderem as raízes profundas dos acontecimentos no Brasil. De um lado, os conflitos (de classe) que atravessam o aparelho de Estado estão no âmago da crise atual; e as ingênuas noções ‘republicanistas’ deixaram míope a esquerda brasileira. De outro lado, o poder (imperialista) das grandes potências inspiram e apoiam os grupos que patrocinam a trajetória atual do país, ansioso por atuar no Pré-Sal; ter acesso privilegiado ao gigantesco mercado doméstico e seus recursos naturais; e, sobretudo, desmobilizar o protagonismo diplomático do país na integração regional, na articulação política do BRICS e na presença na África.



1 Ver detalhes dos projetos da Iniciativa para Integração Regional Sul-Americana (IIRSA) disponível em: http://www.iirsa.org/Page/Detail?menuItemId=45


Diego Pautasso é doutor e mestre em Ciência Política. Atualmente é professor de Relações Internacionais da ESPM Sul e UNISINOS. Autor do livro China e Rússia no Pós-Guerra Fria, editora Juruá, 2011. E-mail: dgpautasso@gmail.com
 

   

 

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