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Valdete Souto Severo: reforma trabalhista

Quem terá tempo e disposição para estudar, ir ao cinema, ler, se estiver trabalhando 12 horas ou mais?

Escrito por Valdete Souto Severo para Zero Hora27 de Jun de 2017 às 10:46
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Leia artigo de Valdete Souto Severo publicado em Zero Hora (27/6).
 
 

A reforma trabalhista pretende extensão da jornada, cria contratos precários, autoriza a "PJotização" e o pagamento de salário como se fosse indenização. Retira responsabilidades, autoriza terceirização em todas as atividades, facilita a despedida e fragiliza a atuação sindical, ao mesmo tempo em que estimula a realização de acordos retirando direitos garantidos por lei.

Um leitor apressado pode pensar que tudo isso é necessário. Convido-o, porém, a uma reflexão. Como ficará o comércio do final do ano, se o 13º salário for parcelado? E o turismo, se parcelarmos as férias? Quem comprará bens de maior valor como automóveis, se estiver vinculado a um contrato precário, de curta duração? Quem terá tempo e disposição para estudar, ir ao cinema, ler, se estiver trabalhando 12 horas ou mais, sem intervalo?

Uma das características do Direito do Trabalho é a de permitir uma concorrência menos desleal, para que também pequenos empreendedores sobrevivam na lógica do capital. A retirada de direitos sociais beneficiará apenas grandes empreendimentos, que não dependem do mercado interno. Além disso, mais trabalho, menos remuneração e maior exposição a condições nocivas de trabalho provocarão mais adoecimento e, portanto, mais recurso ao INSS. Logo, essas alterações contrariam o argumento em favor do qual a reforma previdenciária vem sendo proposta.

E isso nem é o pior. Grave é a perda do efeito simbólico que o Direito e a Justiça do Trabalho exercem sobre as relações sociais. Nossa realidade, já feita da tanta miséria e violência, será agravada. Não há razão lógica ou empírica que nos permita crer que aumentar jornada e suprimir direitos poderá gerar novos postos de trabalho. A terceirização, assim como a remuneração por metas e a ausência de proteção contra a despedida, eram práticas do século 19. Foram abolidas porque nocivas, inclusive para o próprio capital. Países como Portugal, que promoveram reforma menos drástica, já estão reeditando direitos suprimidos para enfrentar a crise econômica. O PLC 38 não pode ser aprovado.

Precisamos insistir nisso. Essa luta é de todos.

Valdete Souto Severo é Juíza do Trabalho da 4ª Região

   

 

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