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O STF pode controlar o orçamento público?

Leia artigo de Maria Paula Dallari Bucci para Folha de São Paulo

Escrito por Maria Paula Dallari Bucci para FSP19 de Out de 2017 às 11:52
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Ministros do STF durante sessão. (Antonio Cruz - Agência Brasil).
 
 

O Supremo Tribunal Federal aprecia nesta quinta-feira (19) liminar do ministro Ricardo Lewandowski, que suspendeu a eficácia dos artigos 2º e 3º da Emenda Constitucional (EC) 86/2015, remetendo a matéria ao plenário. Foi julgada inconstitucional a redução do financiamento da saúde, decorrente dos subpisos e da inclusão dos royalties do pré-sal —até então considerados receitas adicionais— no piso orçamentário específico, para driblar as vinculações reforçadas pela EC 29/2000.

Alguns questionarão se se trata de medida indevida do Poder Judiciário, substituindo ao Executivo e Legislativo e frustrando os arranjos políticos do governo, promovidos inclusive em nome da contenção da crise fiscal. Outros aguardarão a confirmação da acertada decisão, baseada nos compromissos assumidos pelo Brasil no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que integra nossa legislação desde o Decreto 591/92.

A cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.595 entende que os direitos fundamentais na Constituição Federal são acompanhados de garantias de efetivação.

No plano material, a organização de agentes públicos e privados na rede articulada do SUS (arts. 198 e 199, § 1º). No plano jurídico, o Poder Judiciário detém a competência de incidir sobre as decisões dos demais Poderes quando esses falham no princípio fundamental e razão de ser da Constituição.

Assim, mais correto que se entender o conflito posto na ação como embate entre política (o Executivo, que propõe o orçamento, e o Legislativo, que o aprova) e direito (o Judiciário, que o julga) é compreendê-lo como conflito da política com a política, mediado pelo direito.

O STF, nesse caso, não está substituindo aos entes competentes para escolhas políticas traduzidas no orçamento, mas protegendo limites constitucionais para a manipulação orçamentária, em face de direitos fundamentais como a saúde. Nesse tema não se admite a ampliação da discricionariedade alocativa pelo governo de turno, nem sob a invocação de bons propósitos de gestão fiscal, até porque as Emendas 86 e 95 nada trouxeram para melhorar a administração dos recursos.

Está em questão outra cláusula pétrea da Constituição, referente ao pacto federativo (CF, art. 60, § 4º, I), cujo pressuposto é a capacidade de cada ente financiar seus encargos. Nota dos secretários de Saúde de Estados e Municípios (set. 2017) denunciava o "desfinanciamento progressivo do SUS".

Em 1993, a União respondia por 72% dos gastos públicos em saúde, o que foi reduzido, em 2015, a apenas 43%, obrigando os demais entes a cobrir a diferença, a despeito de ser a União quem mais arrecada. Além disso, com a edição da EC 95/2016 (teto de gastos), estima-se uma perda para a saúde, em termos globais anuais, de R$ 2,8 bilhões em 2017, que se elevará a R$ 58,8 bilhões em 2036.

A escolha política fundamental contida na Constituição depende da construção de políticas públicas "de Estado" —tecido jurídico, político, social e econômico urdido a muitas mãos, ao longo de sucessivas governos— e da proteção do STF.

   

 

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