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Esquina Democrática tem ato por Marielle: ‘Alguns heróis morrem pelo excesso de melanina’

Escrito por Luís Eduardo Gomes para o Sul2116 de Mar de 2018 às 09:47
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Emoção marcou o ato em homenagem a Marielle Franco, em Porto Alegre | Fotos: Guilherme Santos/Sul21.
 
 

Com a solidariedade da diretoria do Ceape-sindicato às mulheres negras, à comunidade negra e a todos os lutadores sociais deste país!

 

“Marielle, presente! Anderson, presente!”


Marielle Franco era mulher, negra, era mãe de Luyara, era militante social, era lutadora pelos direitos humanos, era vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro. Era, até ser brutalmente assassinada, na noite de quarta-feira (14), quando um carro parou ao lado do veículo que Anderson Pedro Gomes dirigia e um homem disparou 9 vezes. Quatro a acertaram na cabeça. Três alvejaram as costas dele. Morreram na hora. Repercutiu em Lisboa, em Buenos Aires, em Nova York. Levou às lágrimas milhões de negros em todo o Brasil. No Complexo da Maré, de onde ela vinha, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, onde um cordão de mulheres negras ladeou o caixão para o seu velório, cantando Elza Soares, “Cê vai se arrepender de levantar a mão para mim”, na Esquina Democrática, em Porto Alegre.

Milhares de pessoas, muitas delas que talvez sequer soubessem quem era Marielle no início da noite de ontem, reuniram-se ali, onde seria o berço da democracia na Capital, para questionar. Quantas mulheres negras vão precisar morrer até que se mude alguma coisa? “Estou cansada de chorar”, dizia o verso de uma jovem que, ainda engasgada com as lágrimas e a raiva, arriscou um slam, um poema de homenagem.

Marielle Franco era um exemplo para a juventude negra, ouviu-se em uma das falas. Mulher de periferia, frequentadora de bailes funk, ousou estudar, ousou virar mestre e, ousando ainda mais, tornou-se a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro. Quarenta e seis mil votos para uma mulher negra ocupar uma cadeira ao lado de uma maioria de homens brancos. Fez sua voz ser ouvida. Denunciou as arbitrariedades, a violência. Precisaram de quatro tiros para calar a sua voz.

Mas Marielle é semente, disse outra voz. Semente que impõe um chamado para que milhares de outras vozes ocupem o silêncio que deixou. “Eu faço um chamado para todas as mulheres negras. Vamos nos levantar e lutar”, disse o pedido de uma líder sindicalista negra.

Marielle era heroína. “Meus heróis não morreram de overdose”, disse outro poeta do asfalto em mais um slam carregado de dor. “Alguns heróis eu não sei porque morreram. Talvez pelo excesso de melanina”. Bradou a voz, como quem lembra que já viu a história se repetir muitas vezes, sempre acabando da mesma forma. “Gritamos negros no topo. Chega de negros no céu”, finalizou.

Entre o luto e as homenagens, bandeiras e falas políticas acabaram sendo alvo de críticas.

Quando a noite já caia em Porto Alegre, fez-se ouvir Sandrali Bueno. O ato já se preparava para virar caminhada até o Largo Zumbi dos Palmares,  onde acabaria em uma grande roda com velas acesas, para dizer que a morte dela não seria em vão. “Peguntaram o que eu estou sentido. Perguntaram o que eu estou pensando”, começou. “Eu não estou pensando. Eu estou sentido muita raiva, muito indignação, uma dor que estraçalha”.


Coube a Sandrali lembrar que Marielle não morreu porque era uma mulher de esquerda, porque era do PSOL. Sim, era ambas as coisas. Mas morreu porque era mulher negra. A carne mais barata do mercado. Olhando para os rostos chorosos, lembrou que a luta de Marielle era contra o racismo institucional. Lembrou de Dandara.

Mas também falou para os brancos e brancas que acompanhavam e criticou o fato de que, nem neste momento de luto, deixavam aqueles jovens negros e negras serem protagonistas de uma dor que afetava a todos, mas que batia neles mais fundo. Estraçalhava. “Não vinculem a morte de Marielle ao golpe”, pediu. “Nós morremos desde que aqui chegamos”.

Fez ainda mais um pedido aos brancos. “Sejam nossos escudos”. Pediu para que aproveitassem o privilégio de não saberem o que é apanhar por terem nascido com a cor da pele errada aos olhos do sistema, de não saberem o que é tomar um tiro por serem o que são, que fossem mais do que aliados. Fossem escudos.

“Sejam nossos escudos, porque nós sempre fomos os escudos de vocês. Nós nunca lutamos apenas por nós”.

Marielle, presente.

   

 

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