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Dívida Pública: a galinha dos ovos de ouro

Presidente do CEAPE-Sindicato participa de evento promovido pela Sedufsm que teve como eixo crise financeira e o sistema da dívida do RS

Escrito por Assessoria de imprensa da Sedufsm16 de Nov de 2015 às 16:15
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Josué Martins: É uma arquitetura financeira de banco. Não tem nada de parceria nessa história.
 
 

(Confira, ao final da matéria, a íntegra da palestra “Dívida Pública e a necessidade de uma auditoria”)

“Estamos enfrentando o que há de mais evoluído no sistema financeiro”. “É uma sangria permanente de recursos”. “A Dívida, por mais que seja paga, ela nunca é saldada, porque não se pode matar a galinha dos ovos de ouro”. Essas foram apenas  algumas das expressões usadas por Josué Martins na última sexta-feira, 06, na Câmara de Vereadores de Santa Maria. Na ocasião, a palestra “Dívida Pública e a necessidade de uma auditoria”, promovida pela Sedufsm, trouxe ao plenário um tema que, como destacou o próprio conferencista, não se tem interesse que seja de alcance de todas e todos. Para Josué, que é auditor do Tribunal de Contas do Estado do RS (TCE), integrante do Núcleo Gaúcho da Auditoria Cidadã da Dívida e Presidente do  Centro de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado do RS (Ceape), é justamente o contrário.

Inclusive, é essa a tarefa que Josué, e a Auditoria Cidadã em nível nacional, tomaram para si: descortinar o debate sobre esse tema tão nebuloso, recheado de especificidades técnicas, e distante para a maior parte população. “Ah, mas é fácil fazer (uma auditoria da dívida). Não, não é. É preciso que tenha determinação política e empoderamento social. A Auditoria Cidadã trabalha justamente para buscar o empoderamento social. Vai nos espaços, ocupa, tenta mostrar o que está acontecendo e tenta ganhar a cidadania para esse tipo de assunto, que no nosso entender está no centro dos grandes problemas mundiais hoje”, destaca Josué. Fazendo as vezes de mediador da conversa, o presidente da Sedufsm, Adriano Figueiró, compartilha da mesma noção. “Nós precisamos fazer com que esse debate chegue até os rincões mais escondidos para empoderar essa sociedade de um debate fundamental para o nosso futuro”. E as proporções da importância dessa discussão, com o decorrer da palestra, ficaram ainda mais evidentes.

Por exemplo, nessa sexta, o foco da discussão esteve especialmente centrado na dívida do estado do Rio Grande do Sul com a União. E embora alguma especificidade mais técnica possa ter ficado pelo caminho, especialmente para o público não tão acostumado aos números, não devem ter havido maiores dificuldades em perceber que, sem dúvida, a dívida é um dos componentes mais importantes da crise financeira pela qual passa o estado gaúcho.

Lógica de mercado

“A gente paga nossa dívida para a União e a União paga as nossas dívidas com o mercado”. Na explicação de Josué Martins a situação parece simples e óbvia, e até deveria ser. O que ocorre é que na década de 90 – marcada por inflação e juros “incontroláveis” – a União, através do Governo Federal na época e sob a justificativa de ajudar os estados superendividados, federalizou as dívidas estaduais. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, o contrato é de 1998.

Contudo, como de costume, nem tudo salta aos olhos nessa aparente simplicidade. Para Josué, o principal problema no que toca a dívida dos estados com a União, é que essa relação é regida plenamente, e desde o princípio, por uma lógica de mercado – e não por um princípio de solidariedade entre os entes federativos, como diz a constituição. Ou seja, por trás da suposta boa intencionalidade de ajudar os estados com suas dívidas, está uma engenharia financeira que escolhe, por exemplo, indexadores mais adequados à intenção de lucrar através da dívida. “É uma arquitetura financeira de banco mesmo. De mercado financeiro. Não tem nada de parceria nessa história”, ressalta o auditor.

Para tentar exemplificar essa situação, Josué cita, por exemplo, que a base do cálculo da dívida usa como indexador, por exigência do contrato com a União, o IGP-DI (acrescido de mais 6% ao ano). Esse indexador, para a Auditoria Cidadã, é completamente inadequado para uma situação onde o princípio é o da solidariedade e do resgate entre estados endividados e a União. “Um ano depois de firmar o contrato, em 1999, o Tribunal de Contas do Estado fez uma auditoria sobre o contrato e já lá dizia: ‘olha, entramos numa fria, não fizemos um bom negócio’. Por que? Porque os encargos assumidos no contrato eram mais altos do que a média dos encargos que a gente vinha tendo com a nossa dívida com o mercado”, afirma Josué. Reforçando esse argumento, em 2014 o relatório anual da Dívida Pública, feito pela Secretaria da Fazenda do Estado do RS, mostra que, entre 1991 e 1997 (antes da assinatura do contrato) o estado gastava 8% de sua Receita Líquida Real (RLR) com o endividamento, enquanto entre 1998 e 2014 (pós assinatura do contrato) esse valor está quase em 16%.

Brete e sangria

Mas afinal, tendo como base um contrato tão desfavorável para os próprios estados, o que nos levou a aceitar essa condição – para além, obviamente, do interesse de alguns governos liberais na época – ? O problema, segundo Josué, “é que a gente não podia mais lançar títulos no mercado, porque a União proibiu isso. Ao proibir, ela nos embretou e nos ofereceu em troca o seguinte: ‘ó, toma aqui esse contrato’”. Contrato esse, aliás, que possuía e possui uma cláusula bastante interessante: a União, em o estado não pagando a dívida, pode sequestrar valores. E a União tem feito isso.

Já se alguém acredita que a opção por essa arquitetura financeira (IGP-DI, mais 6% e afins) é fruto do acaso, o choque de alguns números evidenciam uma dívida criada para jamais ser quitada – naquilo que a Auditoria Cidadã tem chamado de Sistema da Dívida. Como evidência disso estão, por exemplo, cálculos feitos pela própria Auditoria Cidadã que mostram, a partir de valores atualizados, um dívida, em 1998, de R$ 50,2 bilhões. Em 2014, em contrapartida, o valor dessa dívida ainda seria de R$ 54,8 bilhões, mesmo que o estado gaúcho já tenha pago R$ 45,4 bilhões. Ou seja, já teríamos pago 90,4% da dívida e ainda assim devemos 109,1% do valor tomado em 1998.

Toda essa estrutura, conforme definiu Josué Martins, vai desembocar na “cereja do bolo”. Isso porque os Relatórios de Gestão Anuais da Secretaria do Tesouro Nacional, apresentados ao Tribunal de Contas da União – ou seja, dados oficiais –, apontam uma crescente margem de lucro da União sobre o valor arrecadado junto aos estados para o pagamento de suas dívidas. Exemplificando, segundo os Relatórios, em 2013 a soma das dívidas dos estados, assumidas pela União perante o mercado, apontava um valor de R$ 81,7 milhões, enquanto, por outro lado, o total arrecadado pela União perante os estados, para o pagamento das dívidas de cada ente federativo, somava R$ 28,5 bilhões. Ou seja, no ano de 2013, inacreditavelmente a União lucrou 34.800% sobre um contrato que deveria, em princípio, ajudar financeiramente os estados – e não gerar lucro. Para Josué, essa é uma situação de agiotagem, baseada num sistema engenhosamente organizado para manter o fluxo de recursos públicos para a União e, por conseguinte, para os banqueiros. Jamais para sanar as dívidas. É esse tipo de arquitetura financeira que, numa escala maior, coloca o mundo perante uma crise como a de 2008, que deveria abalar as estruturas globais, mas acaba por gerar mais acumulação, aponta Josué.

A opção da Auditoria Cidadã

Para começo de conversa, segundo a Auditoria Cidadã, é necessário rever esse contrato e expurgar o ganho da União. “O que a gente tem defendido? Tem que tirar os juros da relação. Não é justificável, sob qualquer prisma, juros nessa relação”, declara Josué Martins. Além disso, é fundamental a substituição do IGP-DI por outro indexador, o IPCA, que é menos vulnerável às variações cambiais, além de ser o indíce oficial da inflação, entre outras coisas. Por fim, uma auditoria plena da dívida dos estados com a União e também da dívida pública brasileira como um todo.

Já com a experiência de ter participado do processo no Equador, em 2007, onde foi apontado que mais de 70% da Dívida Pública do país não existia, e também na Grécia, onde a investigação novamente apontou para um conjunto de ilegalidades, a Auditoria Cidadã vê esses mesmos indícios no Sistema da Dívida do Brasil. Na situação do Equador, vale sempre lembrar, o presidente Rafael Correa convocou os credores e informou que iria pagar apenas os 30% reais, e 95% dos credores aceitaram a proposta.

Um tema apenas para “iniciados”

Um dos principais pontos da discussão da última sexta, para além dos absurdos do Sistema da Dívida, foi a dificuldade de acessibilidade a esse tema, seja por suas especificidades técnicas ou pela dificuldade de acesso às informações. E é sobre isso, conforme destacou Josué, que a Auditoria Cidadã tem se debruçado. Tanto é que, para além da grande quantidade de materiais disponibilizados no site da organização (www.auditoriacidada.org.br), um curso de ensino à distância será realizado no primeiro semestre de 2016 e está aberto para qualquer pessoa interessada. As inscrições, segundo Josué, serão liberadas em breve pelo próprio site da Auditoria Cidadã.

Esse tipo de projeto, segundo o auditor, tem como objetivo preparar qualquer pessoa para o debate sobre a dívida, e, especialmente, para que todas e todos possam perceber o funcionamento desse sistema desde seus níveis locais até a perspectiva nacional e internacional. Além disso, alimentar a população para derrubar argumentos falaciosos como o que coloca em conflito o pagamento da dívida e o valor gasto pelo Estado com Serviço Público (valores absurdamente distintos e, ainda por cima, muito maiores para a dívida), ou os que alegam que um boicote dos estados para a dívida com a União poderia colapsar o país (apenas 2% do orçamento total da União é arrecadado na dívida dos estados). Afinal, informação não faz mal a ninguém, e essa, podemos dizer, é a matéria prima com a qual trabalha a Auditoria Cidadã.

 

 

 

Texto: Rafael Balbueno

Fotos: Bruna Homrich

Assessoria de imprensa da Sedufsm

   

 

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