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Acordo da dívida: um pequeno alívio e um prolongado arrocho

Escrito por Jornal Já20 de Dez de 2016 às 15:39
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Josué Martins, presidente do CEAPE-Sindicato.
 
 

O projeto de renegociação da dívida dos Estados deve ser votado esta semanana Câmara dos Deputados. Ele já foi aprovado no Senado dia  14,  mas como houve mudanças no texto original, ele volta à Câmara para nova votação.

O projeto amplia o prazo para pagamento das dívidas dos Estados com a União, muda o critério de correção, reduz o juro de 6% para 4% ao ano e suspende por três anos o pagamento das prestações mensais.

Em contrapartida, os estados tem que congelar seus gastos por dois anos, ampliar a privatização de empresas públicas, reduzir as despesas com folha de pagamento e  aumentar a contribuição previdenciária dos servidores ativos, entre outros pontos.

Matéria complexa, que ainda não é bem conhecida,  foi examinada preliminarmente, a pedido do JÁ pelo auditor externo no Tribunal de Contas do Estado, Josué Martins, que é presidente do Sindicato dos Auditores.

Nesta entrevista, ele sintetiza algumas conclusões que tirou, ressaltando sempre que foi uma primeira leitura do projeto, que foi significativamente ampliado no Senado e ainda está em votação.

O que é esse projeto?

É uma lei que cria o chamado Regime de Recuperação Fiscal para Estados em situação mais grave. Não é para todos, apenas aqueles que se enquadrarem em certos critérios – déficit, dívida, perda de receita. O Rio Grande do Sul se enquadra fácilmente, Rio de Janeiro e Minas, também.

Suspende os pagamentos da dívida?

Sim. Permite a suspensão dos contratos por 36 meses, prorrogáveis por mais 36 meses.

Seis anos no total?

Isso não fica bem claro. Esse texto dá a impressão que foi feito às pressas. Numa parte fala em 36 meses, prorrogáveis por mais 36, porém, em outro trecho, adiante,  refere novamente o prazo de 36 meses, sem mencionar a possibilidade de prorrogação. Tudo indica que é isso: três anos, prorrogáveis por mais três. Mas terá que ser esclarecido.

Quais são as contrapartidas para esse alívio de seis anos.

São muitas e drásticas. Uma delas é o alinhamento do regime jurídico dos Estados ao da União, o que significa que vai cortar muitas vantagens que os Estados ainda mantém, mas a União já cortou, como os avanços e os triênios.  Nitidamente se busca enxugar a folha, que é a maior rubrica do orçamento estadual.

Um ajuste dentro do ajuste?

Sim, torna a Lei de Responsabilidade Fiscal mais rigorosa ainda. Muda o critério para calcular a despesa com pessoal, incluindo gastos que ficavam fora do calculo. Com isso, facilmente o limite de 60% de despesa com pessoal será superado, o que exigirá cortes para se enquadrar na lei.

Tem um prazo para esse ajuste?

Estima-se que o ajuste se dará em 15 anos. Nesse período estarão arrochados os salários, a menos que haja um crescimento exponencial  da receita, o que é improvável em função das opções de política econômica adotadas pelo Governo Federal.  Não só isso: reajustes aprovados anteriormente mas não efetivados, ficam suspensos. Por exemplo, o pessoal da segurança aqui no Rio Grande do Sul vai perder parte do reajuste escalonado que obteve no governo anterior e que vai se completar em 2018. A parte que falta, será cortada.

E a dívida em si, como fica?

O acordo consolida o saldo que em final de 2015 era de R$ 51,4 bilhões, uma vez que uma das exigências é que o governador retire as duas ações que questionam a dívida e que tramitam no STF. Ambas argumentam que a dívida já está paga. Uma das ações baseia-se no entendimento que não cabe cobrar juro numa relação entre entes federados. Não pode um ente lucrar sobre o outro. Ora, juro é lucro sobre o capital emprestado. O governo hoje paga correção pelo IGP-DI e mais 6% de juro ao ano. O juro não se justificaria sequer pelo risco, uma vez que a União tem prerrogativa de confiscar os valores em caso de não pagamento. Por essa interpretação, a dívida já está paga desde maio de 2013. O Tribunal de Contas tem trabalho mostrando esse cálculo.

Teria chance uma ação dessas?

O grande argumento para exigir o pagamento é que se a dívida não for paga a União vai quebrar,  vai haver um colapso do mundo financeiro. É falácia. Pelos cálculos que temos, se os Estados deixarem de pagar, a União terá uma perda de 2,5 a 3 por cento de sua receita. Ninguém quebra por perder três por cento da receita. Na verdade, a União está no lucro com essa dívida.

No lucro?

A Secretaria Nacional do Tesouro nas prestações de contas anuais que faz ao TCU apresenta um quadro demonstrando quanto custa, em termos financeiros, essa dívida para a União e quanto ela recebe dos Estados como pagamento das dívidas. O custo total em 2013 foi de R$ 81 milhões e o montante recebido chegou a R$ 28,5 bilhões. Custo em milhões, receita em bilhões. Um lucro estratosférico que só vem crescendo em favor da União.

Que mais perdem os Estados?

Autonomia. A lógica dessa nova lei é aumentar a submissão dos Estados ao poder central. O acordo impõe restrições graves do ponto de vista da autonomia dos Estados.  A  Unão pode por exemplo requisitar a entrega de patrimonio para quitar a dívida.  O acordo anterior que resultou nesta situação atual já restringia bastante a autonomia dos Estados, agora reduz  ainda mais a capacidade de ação dos governos.

Quais são as vantagens desse acordo?

A correção será feita por um índice menor, o IPCA, os juros caem de 6 para 4 por cento ao ano (há Estados que pagam 7,5%, o município de São Paulo paga 9%, pela nova lei fica 4% para todo mundo). E os pagamentos ficam suspensos por 36 meses. Dá um alívio  momentâneo, mas no fundo mantém o sufoco financeiro dos Estados, que ficam ainda mais dependentes da União.  Na verdade, eles ficam de joelhos perante a União.

O que se diz é que os Estados gastam mal…

A verdade é que não há uma gastança. O Rio Grande do Sul, por exemplo. No período imediatamente anterior à renegociação, entre 1994 e 1998, nossa dívida aumentou em R$ 30 bilhões em valores atualizados. O analista desavisado imagina que houve entrada de recursos novos, mas nossa dívida cresceu em função da política de juros altos praticada pela União para conter a inflação no contexto do plano real. Isso valeu para todos os demais entes federados. Há realmente distorções, como salários acima do teto, auxílios moradia e tudo mais, mas isso não tem nem de perto o peso que tem a dívida. O Estado nunca vai ter receita suficiente para honrar a divida a não ser que comprima despesas essenciais. Mas a questão é: essa dívida precisa se auditada. É preciso conhecer sua formação, origem e saber de sua regularidade. Sem isso ela tem se transformado num mecanismo de dependência financeira dos Entes federados em relação à União.

Essa renegociação é então pior do que a de 1998?

É um aprofundamento do acordo de 1998. Não muda o rumo, aprofunda…Dá um fôlego para a atual gestão, em troca de uma redução brutal do tamanho maquina publica e tira a capacidade do Estado se recuperar.  Em 1999, um ano depois do acordo, os  auditores do Tribunal de Contas  já alertavam que aquilo não tinha sido um bom negócio. Mostrava-se que no período anterior, de 1991 a 1997, o Estado comprometia 8% da sua receita líquida para pagar dívidas. Logo depois do acordo passou a comprometer 13% e, na média, entre 1998 e 2015 esse comprometimento subiu para 16% da receita líquida.

A receita dos Estados também caiu, proporcionalmente…

Na década de 1960, os Estados no conjunto recebiam  34% das receitas de impostos no país.  Hoje não passa de 25%.  Desde a constituição de 1988, os Estados ganham atribuições maiores  e receitas menores. Nesse período, a União aumentou suas receitas criando tributos (CPMF, contribuições sobre lucro, etc) que não são partilhados com os Estados.

E nesse período em que o pagamento fica suspenso?

As prestações não são pagas, mas a correção e os juros seguem incidindo e esse bolo vai para o saldo devedor, que deve dar um salto. O governo tem pago R$ 3,7 bilhões ao ano, ele pode ficar seis anos sem pagar, serão mais ou menos 22 bilhões, mais a correção e juros, que se incorporam ao saldo devedor, que hoje é quase  52 bilhões.

Mas o prazo para o pagamento também foi ampliado

Sim, o periodo do contrato foi ampliado por 20 anos, mas aí sem os 13% por cento de limite, o que significa que se o saldo devedor for muito grande, os desembolsos anuais podem ser maiores. O contrato original terminava em 2028. Se chegasse nessa data sem ter pago tudo, tinha mais dez anos para quitar sem a limitação dos 13%. Agora vai para 2048 e todo ele sem o limitador da prestação mensal.

   

 

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