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A reforma da equidade

Escrito por Ceape TCE/RS13 de Mai de 2013 às 16:19
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Por Gonçalino Mesko da Fonseca*

"O que mais dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma. Confrontados com a ausência de tudo, os homens abstêm-se do sonho, desarmando-se do desejo de serem outros. Existe no nada essa ilusão de plenitude que faz parar a vida e anoitecer as vozes."
Mia Couto, Vozes anoitecidas

Desde a Conferência de Alma-Ata, em 1978, a saúde é considerada direito humano fundamental e, desde a definição da OMS (Organização Mundial da Saúde) de 1948, este bem é compreendido como completo bem-estar físico, mental e social e não apenas como a ausência de enfermidade. Tais ideias inspiraram a "Reforma Sanitária" brasileira, cujos princípios foram recolhidos pelo art. 196 da C.F, de 1988, onde se lê: 'A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Mais tarde, por conta da Emenda Constitucional n° 29/2000, ficou estabelecida a obrigatoriedade de gastos mínimos em saúde em 12% e 15% da arrecadação e transferências constitucionais dos estados e municípios, respectivamente. Quanto à União, ao invés de percentual mínimo, o legislador adotou a variação do Produto Interno Bruto como indexador.

As inovações apregoaram acesso universal à saúde, isto é, a todos sem distinção e integral, o que significa a necessária e tempestiva resposta em todas as instâncias de atenção: primária, média e de alta complexidade (artigo 3°, inciso II da LC 141/2012), não descurando da atenção voltada a aspectos intersetoriais — condicionantes e determinantes da saúde —, como meio ambiente, infraestrutura urbana, serviços sociais etc. Entretanto, para que as garantias legais alcancem efetividade, são necessárias a equidade distributiva e a gestão eficiente, pressupostos inexistentes na maioria das administrações, o que resulta, entre outras distorções, na baixa institucionalidade operacional do sistema, em quadros de servidores mal remunerados, na precarização das relações de trabalho, na transferência nem sempre justificada da gestão para terceiros e no excessivo tempo de espera nos atendimentos de média e alta complexidade.

A legislação atual, por outro lado, é tímida e insuficiente no que tange ao oferecimento de mecanismos de compensação para os municípios com maior densidade populacional e menores receitas. Assim, por exemplo, em 2011, segundo dados do TCF,/RS, municípios populosos como Viamão e Alvorada, cujas receitas provenientes de impostos são baixas, destinaram valor "per capita" com Ações de Saúde de R$ 88,43 e 105,65, respectivamente, enquanto Carlos Barbosa e Triunfo, municípios que possuem receitas altas e populações menores, tiveram gastos "per capita" de R$ 301,89 e 938,47, respectivamente.

Tais diferenças evidenciam a necessidade de reformas que contemplem a equidade na distribuição dos recursos, condição necessária à oferta de saúde com qualidade a todos, assegurando que os impostos pagos pela população revertam, efetivamente, para o seu bem-estar. Para tanto, parafraseando Mia Couto, será preciso que as vozes do povo não sejam anoitecidas.

*Auditor Público Externo - TCE/RS


   

 

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