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A Dívida dos Estados com a União – Sofismas e realidades

Escrito por João Pedro Casarotto, publicado na Revista da FEBRAFITE (nº 25) 07 de Out de 2014 às 09:34
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O poder desperta paixões, que ofuscam a realidade e que se sustentam em sofismas que, no caso do tema em foco, necessitam ser desnudados, pois a intensa disseminação deles está anuviando os debates em curso na atual campanha eleitoral e no Senado Federal (PLC 99/2013, tramitado na Câmara sob no PLP 238/2013), que visam dar o passo inicial para a solução desta relevante pendenga institucional brasileira.

Seguem alguns destes sofismas e as respectivas realidades.

A União subsidiou e continua subsidiando os Estados: no período de jan1999 a dez2013, em valores reais, os Estados receberam R$ 243 pagaram R$ 289 e ainda estavam devendo R$ 410 bilhões; respaldada em contrato semelhante ao de reles operação bancária comercial, a União expropriou R$ 476 bilhões dos Estados.

Os altos encargos cobrados compensam o custo financeiro da União: em 2013 a União recebeu dos Estados o valor de R$ 29 bilhões e gastou meros R$ 82 milhões com a dívida interna contraída em decorrência dos programas de reestruturação e ajuste fiscal dos Estados (Lei 9.496/97) e de redução da presença do setor público estadual na atividade financeira bancária nacional (PROES).

A taxa SELIC representa o custo financeiro da União: a dívida federal brasileira em nenhum momento foi exclusivamente indexada à SELIC; em maio de 2014 ela indexava apenas 20% da dívida pública federal interna e se considerarmos o imposto de renda cobrado sobre os rendimentos pagos este percentual seria ainda menor.

O IGP/DI e o IPCA são índices convergentes que tendem a igualdade: esta igualdade é uma impossibilidade matemática, pois a cesta de compras do IGP/DI e a do IPCA são muito distintas e a variação da primeira nem sempre se propaga para a segunda; nos quinze anos em questão o IPCA variou 162% e o IGP/DI variou 261%.

A negociação foi voluntariamente aceita pelos Estados, que haviam promovido uma farra financeira: os contratos foram impingidos aos Estados no final da década de 90 pelo estrangulamento financeiro causado por medidas econômicas que deprimiram suas receitas (como o Plano Real e a Lei Kandir) e alavancaram suas despesas (como os altíssimos juros básicos: ex. em nov1997 a SELIC efetiva foi de 45,67% a.a. e a inflação deste mês foi de 0,17%); efeito que se verificou inclusive no setor financeiro, que foi socorrido por três programas emergenciais: PROER, PROES e PROEF.

A revisão dos contratos beneficiará as unidades mais ricas da federação, que se beneficiaram com a implantação de infraestrutura econômica decorrente das dívidas refinanciadas: a revisão deve abranger os contratos de todos os Estados e os valores expropriados devem ser estornados e/ou devolvidos; ademais além de não existir Estado mais ou menos rico - todos estão depauperados - quando um investe em infraestrutura tanto a União quanto todos os demais Estados também se beneficiam, pois são financeira e economicamente inter-relacionados.

A União depende das prestações: em 2013, uma ínfima parcela de 1,54% da receita orçamentária da União (R$ 1,9 trilhão) foi de responsabilidade das prestações pagas pelos Estados (R$ 29 bilhões).

O saldo devedor dos Estados é imprescindível para a União: tomando-se dados de dez2013 temos que o saldo devedor dos Estados era de R$ 410 bilhões e se o compararmos com a provisão para perdas na cobrança da dívida ativa da União, que foi de R$ 1 trilhão, temos que esta provisão é 2,5 vezes maior que o saldo devedor dos Estados.

A dívida pública federal será impactada negativamente pela redução dos saldos devedores: o impacto ocorrerá somente sobre o criativo e condenável cálculo da tal dívida pública federal líquida; ademais a dívida dos Estados é meramente escritural, pois foi inflada pela inadequada utilização do IGP/DI como indexador e pela indevida cobrança de extorsivos juros reais.

A revisão dos contratos impactará o valor da moeda brasileira:mesmo que a dívida fosse integralmente anulada não haveria qualquer efeito nas contas brasileiras – Governo Geral -, pois é conta de soma zero.

Os Estados devem ser mantidos em regime de permanente insolvência para evitar que produzam déficits e por consequência recorram a um excessivo endividamento: o endividamento dos Estados depende do aval da União e da autorização do Senado e é regulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, portanto esta opinião - que pressupõe que as unidades subnacionais são irresponsáveis e que a União é um poço de virtudes e de responsabilidades – é uma simplória tergiversação que visa justificar a exacerbada e trágica centralização administrativa e tributária, que é a causadora e a mantenedora da estagnação brasileira.

Além disto, é indispensável registrar que:

1) ao aplicar a Lei no 9.496/97 a União ofendeu os princípios constitucionais da igualdade e da impessoalidade, pois ao negociar, caso a caso, a taxa de juros e o limite do comprometimento da receita tratou os Estados - que tinham a mesma situação fiscal e aderiram a um mesmo programa - de forma desigual ao ser mais complacente com uns do que com outros;

2) a revisão integral dos contratos - que apresentaram forte desiquilíbrio contratual já nas primeiras prestações - passou a ser tema diário de governantes, de parlamentares e da sociedade civil organizada a partir da CPI da Dívida Pública, da Câmara Federal, encerrada em 2010, porque ela trouxe à tona dados perfeitamente identificáveis como os maiores responsáveis pelo atual acúmulo de déficits de serviços públicos verificados nos Estados Brasileiros; e

3) a forma federativa de estado – cláusula pétrea da constituição federal, como a do voto direto e a da separação dos poderes - está sendo burlada por meio destes contratos que além de desequilibrados, abusivos, draconianos e leoninos causaram esta desinteligência que transformou os governadores em meros gerentes de província.

Para ir além das gambiarras propostas e resgatar a federação brasileira, os planos de amortização destes contratos devem ser refeitos: 1) retroativamente à data das assinaturas; 2) com a correção dos saldos devedores pelo IPCA; 3) sem a cobrança de juros; e 4) prevendo a devolução e/ou o estorno dos valores expropriados.

João Pedro Casarotto,

Auditor, Membro da FEBRAFITE e autor do estudo "A dívida dos Estados com a União – Refazimento do programa e aspectos inconstitucionais da Lei 9.496/97".

   

 

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