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A agenda política por trás da austeridade

Leia Artigo de Paul Krugman, na Gazeta do Povo

Escrito por Paul Krugman/Gazeta do Povo Tradução: Adriano Scandolara26 de Out de 2017 às 09:39
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“O crescimento, e não a crise, é a hora cer­­ta para a austeridade.” Assim declarou John Maynard Keyenes há 75 anos, e ele tinha razão. Mesmo se você tiver um problema de déficit a longo prazo – e quem não tem? – cortar as despesas enquanto a econo­­mia está em profunda depressão é uma estratégia contraproducente, porque tudo o que ela faz é piorar a depressão.

Então, por que a Inglaterra está fazendo exatamente o que não deveria? Ao contrário dos governos, digamos, da Espanha ou da Califórnia, o governo inglês não tem limites para fazer empréstimos, com uma taxa de juros historicamente baixa. Então, por que o governo está dramaticamente reduzindo o investimento e eliminando centenas de milhares de empregos no setor público, em vez de esperar até que a economia se fortaleça?

Durante os últimos dias, eu fiz essa pergunta para um­­ número de apoiadores do governo do Primeiro Mi­­­­nistro David Cameron, às vezes em particular, às vezes na televisão. E todas essas conversas seguiram o mesmo trajeto: Elas começaram com uma metá­­fora ruim e acabaram com a revelação de motivos ulteriores.

A metáfora ruim – que vocês com certeza já ouviram várias vezes – compara os problemas de défi­­cit de uma economia nacional com os problemas de­­ déficit de uma família individual. Uma família que tenha acumulado dívidas demais, conforme segue a história, tem de segurar as pontas. Então, se a Inglaterra, como um todo, tem déficit demais – e, de fato, tem, embora seja mais no setor privado do que déficit público – o país não deveria fazer o mesmo? Qual é o problema dessa comparação?

A resposta é que uma economia não é igual a uma família endividada. Nosso déficit consiste na maior parte de dinheiro que devemos um para o outro; e, o que é ainda mais importante, nossa renda na maior parte depende de vendermos coisas um para o outro. O seu gasto é a minha renda, e o meu gasto é a sua renda.

Assim, o que acontece se todo mundo simultaneamente corta as despesas numa tentativa de pagar as dívidas? A resposta é que a renda de todo mundo cai – a minha renda cai porque você está gastando menos, e a sua renda cai porque eu estou gastando menos. E, se as nossas rendas despencarem, nosso problema de déficit piora, não melhora.


E há uma moral clara nessa­­ história: quando o setor privado está freneticamente ten­­tando pagar suas dívidas, o setor público deve fazer o con­­trário, gastando quando o setor privado não pode ou não quer. Por todos os meios pos­­síveis, que equilibremos nos­­so orçamento quando a eco­­nomia estiver recuperada – mas não agora. O momento de crescimento, não a crise, é a hora certa para a austeridade.

Como eu disse, essa não é uma revelação nova. Então por que tantos políticos insistem em dar continuidade à austeridade em meio à crise? E por que eles não mudam o rumo mesmo quando a experiência confirma as lições da teoria e da história?

Bem, é aí que fica interessante. Pois, quando você mostra aos “austeros” como sua metáfora é ruim, eles quase sempre recuam para asserções do tipo: “Mas é essencial que reduzamos a influência do estado”.

Agora, essas asserções com frequência acompanham alegações de que a crise econômica em si demonstra a necessidade de se encolher o governo. Mas isso, manifestamente, não é verdade. Veja os países na Europa que melhor suportaram a tempestade, e perto do topo da lista você encontrará nações de grande presença do governo, como a Suécia e a Áustria.

E, se formos olhar, por outro lado, as nações que os con­­servadores admiravam an­­tes da crise, encontraremos George Osborne, o conselheiro da Inglaterra do Ex­­chequer e arquiteto das políticas econômicas atuais do país, descrevendo a Irlanda como “um exemplo brilhante da arte do possível”. Enquanto isso, o Instituto Cato elogiava os baixos impostos da Islândia e esperava que outras nações industriais “aprendessem com o sucesso da Islândia”.

Então, o impulso à austeridade na Inglaterra não está realmente focado com o déficit e as dívidas, mas em utilizar o pânico do déficit como desculpa para fazer um desmanche nos programas sociais. E isso, é claro, é exatamente o mesmo que está acontecendo na América.

Para sermos justos com os conservadores britânicos, eles não são tão rudes quanto suas contrapartes americanas. Eles não ralham contra os males dos déficits ao mesmo tempo em que exigem enormes cortes tributários para os ricos (embora o governo Cameron tenha, de fato, cortado significativamente as taxas de impostos sobre o topo). E, em geral, eles parecem menos determinados do que a direita da América em auxiliar os ricos e castigar os pobres. Ainda assim, a direção das políticas é a mesma – e também a fundamental falta de sinceridade nas exigências por austeridade.

A grande questão aqui é se o fracasso evidente da austeridade em produzir uma recuperação econômica levará a um “Plano B”. Talvez. Mas meu chute é que, mesmo que tal plano seja anunciado, não terá grande efeito. Pois a recuperação econômica jamais foi o objetivo; o impulso à austeridade tinha como objetivo usar a crise, não resolvê-la. E ainda tem.

 

   

 

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